Tuesday, 16 June 2009

Um exemplo de investimento social mal começado

Publicamos um informe/reflexão do Assessor do Conselho Municipal da Criança e Adolescente de Açailândia, Eduardo Hirata. A partir do problema da "Meninada do trem", a Vale e as entidades locais tentaram encontrar soluções; nem sempre as soluções mais interessantes para uma grande companhia são as mais uteis e eficazes nas políticas públicas municipais. Nem sempre os investimentos sociais da Vale são realizados na direção certa.

Na manhã do dia 05 de junho de 2009, como parte das comemorações do 28° aniversário do Município de Açailândia-MA, a Prefeitura e a Fundação VALE inauguraram a “CASA ABRIGO”. A nova unidade de acolhimento institucional, localizada nos altos da Vila Bom Jardim, é resultado da doação, no final de 2007, de R$ 291.146,82 da Fundação VALE ao FIA -Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência, gerido pelo COMUCAA- Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Foi uma inauguração de peso, com as presenças do Prefeito Municipal, Ildemar Gonçalves dos Santos; representantes da VALE, José Carlos Sousa e Afonso Melo; Secretária Municipal de Assistência e Promoção Social/SEMAPS, Elizete Moreira Freitas, a quem caberá a manutenção e funcionamento da “Casa Abrigo” (que tem capacidade para atender até 20 Crianças e Adolescentes); Presidente do COMUCAA, Siley Elcen Santos; Padre Pedro Carlos, representante do Fórum DCA-dos Direitos da Criança e do Adolescente; Conselheiras Tutelares Andreya Carvalho de Oliveira, Gilma Castro de Sousa e Veronice Pereira Carvalho; Promotora de Justiça, Emanuela Barros Bello Peixoto; vereador Hélio Batista dos Santos, Presidente da Câmara Municipal; titulares de Secretarias, Vereadores. A “Casa Abrigo” foi inaugurada, mas ainda não entrou em funcionamento: o programa e regime de atendimento, como exige o ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 90, não foi registrado no COMUCAA, e o quadro de pessoal não está completo e treinado.

A “Casa Abrigo” é nome resultante da sugestão do Juiz de Direito Wilson Manoel Freitas Filho, numa das inúmeras reuniões ampliadas (COMUCAA, SEMAPS, Conselho Tutelar/CONTUA, Ministério Público Estadual/MPE, Judiciário Estadual, VALE, Procuradoria do Município) realizadas desde 2006, inicialmente para tratar com mais agilidade e eficácia da problemática da “Meninada do Trem”, fenômeno que perdura desde a abertura da Estrada de Ferro Carajás, caracterizado pela “perambulagem” de Crianças e Adolescentes nos trens da VALE, sejam os de passageiros, minérios ou cargas, na rota entre Parauapebas-PA e São Luís-MA. Açailândia, pelas estatísticas disponíveis, é um dos locais de “aporte, pontos de apoio e parada” para esta “Meninada”, em suas aventuras modernosas à moda “Tom Sawyer e Huckleberry Finn”, dramaticamente pinceladas pelos tons sombrios da “questão social”, que impactam perversamente nossas famílias, e por tabela, nossa vulnerabilizada Infância, sobretudo nestes desvalidos Norte-Nordeste.

O processo de instalação da “Casa Abrigo” ocorre no momento que Açailândia, através do COMUCAA., estuda e discute o “ Plano Nacional de Promoção, proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” , no objetivo da construção do nosso respectivo “Plano Municipal”. Para cumprir este Direito, a Política Municipal de Atendimento conta com apenas um programa de acolhimento, a unidade “Casa de Passagem”, existente a cerca de quinze anos, administrada pela SEMAPS. Contamos por alguns anos com duas “Casas Lares”, hoje desativadas, uma feminina outra masculina, de âmbito comunitário, no CIFEC- Centro de Integração Familia, Escola e Comunidade, administradas pela Congregação das Irmãs da Divina Providência. Nenhum outro programa oficial de atendimento do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, apesar de “na prática, de fato”, dezenas de Crianças e Adolescentes terem sido colocados/as em famílias substitutas/acolhedoras, entregues “liminarmente” à guarda, tutela e adoção, pelo serviço social público, Conselho Tutelar, Ministério Público ou Judiciário. A “ Casa de Passagem”, que será extinta com o início da “Casa Abrigo”, ocupa dependência da Câmara Municipal, desde sempre inadequada para atendimento a contento das necessidades da medida protetiva de “abrigo”.

É certo que a nova unidade de acolhimento, a “Casa Abrigo”, recém-inaugurada, vem atender diretamente aos reclamos do CONTUA, MPE e Judiciário, pressionando a Assistência Social Municipal por atendimento mais digno à demanda da “Meninada do Trem”, o que serve igualmente, e diretamente, aos interesses da VALE, mas é certo também que restam dúvidas sobre a oportunidade e a modalidade de atendimento a ser oferecida. A “Casa Abrigo”, nos termos em que está sendo concebida, de acolhida e atendimento a Crianças e Adolescentes em situações diferenciadas, podendo ser “provisórissimas, de poucos dias dias ou semanas, como são na maioria os casos da ‘Meninada do trem’ (casos típicos de atendimento na modalidade ‘Casa de Passagem’)”, como permanências mais prolongadas, de meses ou anos (que deveriam ser atendidas em outras modalidades, como “Abrigos Institucionais Especializados para Pequenos Grupos, Casa-Lar, República”), não encontra guarida nos princípios e diretrizes do “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária”.

Não dá, não é conveniente “misturar” Crianças e Adolescentes em situações diferentes de violações de Direitos, que exigem diferentes “receitas” de atendimento. Não se trata de “separar o joio e o trigo”, mas qualificar e dar eficácia de tratamento, reparando-se devidamente as situações que levaram às medidas de abrigo. Uma coisa é cuidar da demanda de quatro, cinco da “Meninada do Trem”, oriunda de Marabá, ou São Luís, outra coisa é cuidar de grupos de irmãos em processo de reinserção familiar, ou de vítimas de drogadição/violência sexual sem ou com vinculação familiar fragilizada: simplesmente não dá para “botar e cuidar tudo junto num espaço só e ao mesmo tempo”...

A realidade da “questão social açailandense” obriga sim a existência de unidades de acolhimento institucional, sejam públicos ou comunitários. Precisamos de uma “Casa de Passagem”, para atendimento imediato, provisórissimo e excepcional de Crianças e Adolescentes em situações de abandono, negligência e violência, mas precisamos também de outras unidades/abrigos (atendimento a situações de drogadição/violência sexual: “Menina dos Olhos de Deus”, por exemplo; de conflito com a lei; Casas-Lares; República). E de programas de “Famílias Acolhedoras”, bem como de estímulo à adoção, como preconiza a Constituição da República, artigo 227, § 3°, VI.

Tudo isso posto, ainda há tempo para pensar/repensar bem sobre como funcionará/atenderá esta nova unidade de acolhimento, a assim chamada “CASA ABRIGO” que pelo vulto do investimento e na perspectiva de conjunto de um “Programa Municipal de Atendimento dos Direitos de Crianças e Adolescentes ao Convívio Familiar e Comunitario” exercerá papel fundamental na garantia destes Direitos e no fortalecimento de laços familiares, comunitários e sociais.

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