Conflito entre mineradora e DNPM se arrasta por nove anos, envolve mais de R$ 4 bilhões em multa e ameaça de perda da concessão
Sabrina Lorenzi e Danilo Fariello, iG Rio e Brasília | 11/03/2011 16:04
O governo quer um ponto final na disputa entre Vale e Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que se arrasta desde 1991. Naquele ano, teve início o recálculo do governo do valor de royalties que a empresa teria pago a menos por usar uma subsidiária fora do país para vender seus produtos no exterior por valor maior. A conta, segundo o DNPM, chegou a R$ 3,9 bilhões até 2009 e deve superar os R$ 4 bilhões com folga, se corrigida até 2010. A Vale diz que cumpre a lei e tem conseguido amparo na Justiça para não pagar a fatura cobrada.
Após reunião com a presidenta Dilma Rousseff na quarta-feira, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, assumiu o papel de achar uma saída legal, sensata e inquestionável para a disputa. Na próxima semana, está prevista uma nova reunião entre o Lobão e o presidente da Vale, Roger Agnelli, para avançar na negociação, que se arrasta por anos e teve seu auge no mês passado.
Precisamente no dia 25 de fevereiro, enquanto a Vale relatava ao mercado lucro recorde de R$ 30 bilhões relativo a 2010, a superintendência do DNPM no Pará lançava mão de um artifício extremo para fazer a empresa pagar a dívida, ameaçando caducar a licença de exploração de Carajás.
A interrupção da produção de Carajás, maior mina do mundo de minério de ferro a céu aberto, provocaria perdas sem precedentes para a Vale, prejudicaria a balança comercial brasileira e paralisaria boa parte da cadeia de aço entre consumidores mundiais – principalmente na China. Ninguém, no governo e na iniciativa privada, deseja essa interrupção, por isso a decisão final foi levada a instâncias superiores até chegar à mesa de Dilma, no Palácio do Planalto.
Em entrevista ao iG, o diretor-geral do DNPM, Miguel Nery, diz que avaliou como precipitada a atitude do colega Every Aquino, autor da solicitação para finalizar a concessão de Carajás. Mas foi o próprio Nery quem iniciou esse processo, em 2008, com notificações e multas que poderiam culminar na suspensão da outorga concedida à Vale.
Revelado pelo iG em reportagem de novembro de 2009, a ação, segundo ele, não tinha como meta paralisar Carajás, mas usar a possibilidade de suspensão da outorga como instrumento de pressão para resolver o imbróglio do pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), como é chamado o royalty da mineração. A Vale, por sua vez, acha injusto pagar a diferença, que tem origem em interpretações contábeis.
“Ainda temos de analisar recursos que a Vale nos apresentou após as multas e notificações”, explica Nery. O iG apurou que a Vale entrou com os recursos ainda em 2009, dentro dos prazos exigidos. A superintendência do Pará teria analisado a defesa da mineradora, mas o parecer definitivo, dado pela sede do órgão em Brasília, não foi feito, como admite o diretor-geral. Nery também evita falar de prazo para analisar os recursos. Uma fonte do DNPM, ligada a todo este processo, reclama da demora. “Se a empresa tem 30 dias para fazer sua defesa, como pode o DNPM, o mais interessado em resolver a questão, levar mais de um ano para analisar o recurso?”.
O artigo 65 do Código da Mineração prevê que as empresas podem perder a concessão de lavra por várias razões, entre elas o recebimento de três autuações num período de um ano. Foi a maneira que o DNPM encontrou para pressionar a Vale a pagar os valores que vêm sendo discutidos nas esferas judicial e administrativa há pelo menos nove anos. Depois de derrotas em todas as esferas do Judiciário com relação ao critério de pagamento do royalty, a Vale continuou entrando com recursos, baseada em brechas na legislação.
Paralelamente, segundo o diretor do DNPM, a empresa não entrega a documentação necessária para o cálculo do faturamento e da CFEM, outro motivo para as multas. “Insistiram em não continuar recolhendo e resolvemos aplicar o que a lei orienta: fazer uma advertência e três multas num intervalo de um ano, o que permitiria abrir processo de caducidade (perda do direito de exploração)”, disse Nery, na primeira entrevista sobre o tema.
Solução clara e incontestável
A cúpula do governo quer uma solução clara e incontestável para controvérsia entre o DNPM e a Vale. A presidenta indicou que quer que sejam esgotadas as medidas legais para ambos os lados, para que se chegue a uma definição. A palavra final sobre o conflito ainda passará por ela.
Do lado da Vale, a empresa garante que “acatará decisões definitivas do Judiciário sobre as divergências existentes”. “A Vale entende que os valores cobrados pelo DNPM são excessivos e devem ser submetidos a perícias judiciais. Em alguns casos, mesmo sem perícia, estes valores foram sensivelmente reduzidos ainda em primeira instância judicial”, argumenta a mineradora.
Planejamento fiscal legal
Segundo o DNPM, os valores do minério de ferro que devem servir de base para o recolhimento do imposto têm de refletir o preço final, vendido, na maioria das vezes, no exterior. Mas a Vale, segundo o órgão, apresenta valores do produto comercializado com suas subsidiárias – que é mais barato.
A principal controvérsia para o pagamento de royalties tem origem em uma manobra fiscal feita pela Vale, de exportar por meio de subsidiarias com deságio. Segundo fontes do governo, a Vale recolhe a CFEM de acordo com o valor de transferência do minério do Brasil para países como as Ilhas Cayman, mas não pelo valor vendido, mais elevado, para o destino final. Com isso, a empresa reduz o pagamento de royalties no País.
A manobra é legal, de acordo com as regras da Receita Federal para recolhimento de impostos, mas é questionada pelo DNPM, responsável pela arrecadação da CFEM. Para a Receita Federal, a arrecadação com a manobra deveria até ser maior, porque eleva o lucro da empresa pela redução do recolhimento de royalties. Mas, para o DNPM, trata-se de um desvio da CFEM. “Não temos nada com a Receita Federal. A Vale deve ao DNPM e aos municípios produtores, os principais prejudicados com toda essa manobra”, rebate uma fonte do governo.
Municípios perdem
A manobra também incomoda muito os municípios, porque 65% da CFEM vai para os cofres das cidades. Outros 23% da arrecadação da CFEM vão para os Estados. Carlos Alberto Pereira consultor que assessora a prefeitura de Parauapebas (PA) - onde está localizada a jazida de Carajás -, lembra que a CFEM foi criada para preparar os municípios para o fim das riquezas minerais. “O minério de ferro vai acabar e as cidades têm de continuar sobrevivendo, para isso serve o royalty, que é uma migalha perto do que a Vale distribui entre seus acionistas”, defende. Ele calcula que a empresa deve R$ 900 milhões ao Pará e R$ 3 bilhões a Minas Gerais.
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