Wednesday, 26 August 2009

Agnelli balança, mas, por enquanto, não cai

José Rabelo
Século Diário, Vitória-ES
252009

O boato que corria à boca miúda em Brasília, desde meados de julho, tornou-se público há alguns dias quando a imprensa revelou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu mexer seus pauzinhos para fazer chegar aos ouvidos do presidente da Vale, Roger Agnelli, que estava insatisfeito com os rumos administrativos adotados pela mineradora para contornar a crise econômica mundial. Para ocupar o lugar de Agnelli, Lula chegou a ventilar o nome de Sérgio Rosa, presidente da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).

Cuidadoso para não abalar a relação com um dos maiores bancos do País, o Bradesco - que indicou Agnelli, em 2001, para assumir a presidência da empresa -, Lula foi cirúrgico na crítica. Ficou particularmente irritado com a demissão de cerca de mil trabalhadores, no auge da crise, sem comunicação prévia ao governo. A decisão unilateral da empresa não deu chance à “brigada de incêndio” de Lula de propor uma solução negociada para evitar degola em massa, como aconteceu, por exemplo, em fevereiro deste ano, em um episódio semelhante envolvendo as demissões na Embraer.

Lula também se queixou da brusca freada nos investimentos da empresa no setor de infraestrutura do País. Notícias que vinham do mercado financeiro apontavam que a gigante da mineração deixaria de investir US$ 3 bilhões em novos projetos este ano, temendo que os reveses da crise minassem a saúde financeira da empresa.

Para o presidente Lula, na hora do aperto, uma empresa com a robustez financeira da Vale, e com seu histórico estatal, tinha a obrigação de arregaçar as mangas e puxar a fila do grupo de empresas dispostas a mostrar que o País tinha fôlego suficiente para enfrentar e vencer o "monstro da crise".

O descontentamento de Lula com Agnelli era tão grande que circulou em Brasília que o presidente já articulava um substituto para ocupar o posto do número um da Vale. Lula já tinha até um nome na gaveta para assumir a vaga de Agnelli, Sérgio Rosa (foto), atual presidente da Previ - maior fundo de pensão da América Latina, que detém o rechonchudo patrimônio de R$ 121 bilhões.

Não por acaso, entre as empresas que a Previ tem participação está a Vale. É justamente na mineradora que a Previ concentra o seu maior investimento: R$ 30 bilhões. O fundo também detém 53% da Valepar, controladora da empresa.

O nome de Sérgio Rosa também não surgiu na lista dos preferidos de Lula por mera contingência do destino. Rosa tem uma história política com Lula e o PT desde os tempos em que Lula-sindicalista subia nos caminhões para comandar as greves no ABC. De quebra, Rosa é justamente presidente do Conselho da Vale, assento que lhe confere o poder de veto nas decisões da mineradora.

O poder dos fundos

A Previ, além da Vale, detém gordas fatias acionárias de grandes empresas brasileiras. Oi/Telemar, Embraer, Brasil Foods são alguns exemplos. Na Vale, o consórcio formado pelos fundos de pensão - Previ (49%) e BNDESPar (11,5%) - detém 60,5% do controle da empresa. O Banco Bradesco, responsável pela indicação de Agnelli, tem 21%, e a japonesa Mitsui - empresa da área de logística de transporte intermodal - 18%.

Lula sabia que o poder dos fundos de pensão sobre a Vale poderia ser decisivo, caso o plano de fritar Agnelli fosse posto em prática. Além da Previ e BNDESPar, Lula sabia que outros fundos previdenciários - Funcef (Fundo de Previdência da Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras) e Funcesp (Cesp) - já engrossavam o coro dos descontentes com a gestão de Agnelli.


Guilherme Lacerda (foto), presidente do Funcef, terceiro maior fundo do País, também cobrou, a exemplo de Lula, a ampliação dos investimentos da mineradora no setor de infraestrutura do País.

"A Vale não pode agir como uma empresa de frango, de linguiça. É uma empresa estruturante, que atua por concessões. É bem administrada, mas não podemos fechar os olhos e não nos dar conta das decisões tomadas por seu presidente", disse Lacerda, no último domingo (16), ao jornal "Folha de São Paulo".

De acordo com Lacerda, a mineradora deve aplicar seu capital em investimentos que abram caminhos para o desenvolvimento do País, sem a concentração de recursos apenas na área de commodities. O presidente do Funcef fez questão de lembrar que a Vale atua por concessões e que uma das contrapartidas deve ser o investimento na área de infraestrutura do País. Ele advertiu ainda que a empresa, em função de seu histórico estatal, não pode se preocupar exclusivamente em maximizar lucros.

O Funcef é acionista minoritária da Vale, possui 2% do capital total da empresa. A fatia mais magra na participação acionária, diferentemente da poderosa Previ, não garante ao Funcef assento no Conselho Administrativo da Vale, consequentemente, o fundo comandado por Lacerda fica expurgado das discussões que definem os investimentos da empresa.

O fato é que o vento que soprou do Palácio do Planalto chegou a balançar Agnelli da cadeira. Entretanto, os rumores mais recentes que chegam de Brasília parecem indicar que essa rajada mais enfurecida, pelo menos por hora, perdeu força. Parece que a conversa de Agnelli com Lula acalmou o presidente, que pode ter dado uma segunda chance ao maioral da Vale.

Agnelli sabe, porém, que o fato de o presidente ter cogitado para a cabeça da lista o nome de Sérgio Rosa como seu "provável" sucessor soa mais que um aviso, mas é, com todas as letras, uma ameaça real.

O atual manager da Vale também sabe que Rosa disputou e venceu, com louvor, a queda de braço com o todo poderoso Daniel Dantas, dono do Opportunity. Vitória que lhe conferiu bônus extras com o presidente Lula.

Rosa - então diretor de Participações da Previ - deu o start, em 1999, a uma auditoria para rever os contratos da Previ com o Opportunity no fundo CVC-Opportunity, que adquiriu, à época, a Brasil Telecom, Telemig, Amazonas Celular e Metrô Rio. Segundo Rosa, o acordo era prejudicial ao fundo e precisava ser urgentemente revisto.

A peleja, que só chegou ao final em abril de 2008, acabou selando o acordo que tirou definitivamente o Opportunity do "indesejável" Dantas da sociedade. Com o acordo, o banqueiro recebeu R$ 1 bilhão para dar adeus a sua participação na antiga Brasil Telecom que passou a se chamar Oi e depois Oi/Telemar.

Esse é um exemplo recente e inconteste que deve causar arrepios no presidente da Vale. Agnelli sabe que não pode desdenhar da força dos fundos de previdência, ainda mais tendo por perto o implacável Sérgio Rosa fungando no seu cangote. Se Agnelli comanda cerca de 100 mil funcionários (diretos e terceirizados), Rosa tem nas mãos o fundo formado por mais de 166 mil pessoas, entre aposentados, pensionistas e funcionários ativos do Banco do Brasil. Briga de cachorro grande.

Sobre o entrevero que pôs em xeque o nome de Agnelli no comando da Vale, Sérgio Rosa, por enquanto, preferiu se resguardar. Talvez o silêncio tenha sido a estratégia escolhida. É oportuno lembrar, porém, que Rosa deixa a presidência da Previ em 2010, e não poderá ser reconduzido ao cargo novamente. Uma coisa é certa, desempregado ele não fica.

Investidores insatisfeitos, ambientalistas idem

Se os fundos e o próprio presidente da República têm se mostrado insatisfeitos com a governança de Roger Agnelli à frente da Vale, os ambientalistas, de olho na política de responsabilidade social da empresa, também continuam indignados com as parcas ações que a poluidora tem adotado para minimizar os danos ambientais no Estado.

Na última terça-feira (18), o jornal "Valor Econômico" informou que a mineradora apresentou seu inventário de emissões, para medir a produção de gases-estufa. A empresa, segundo suas contas, admite que lançou, nos oito países (incluindo o Brasil) em que atua, 16,8 milhões de toneladas CO2 - principal gás do efeito estufa. O CO2 conhecido também como dióxido de carbono, ou anidrido carbônico, ou simplesmente gás carbônico é um composto químico constituído por dois átomos de oxigénio e um átomo de carbono.

O relatório detalha, ano a ano, as emissões na Austrália, mas simplesmente ignora as informações referentes ao Espírito Santo. A omissão dos dados referentes ao Estado dá pistas de que os números aqui devem ser bem feios, talvez impublicáveis.

Ainda, de acordo com informações do "Valor", o total mundial emitido pela mineradora contabiliza os gases produzidos na queima de combustíveis fósseis do transporte de minérios à emissão de minas de carvão subterrâneas na Austrália, além dos gases-estufa gerados pelos fornecedores da empresa em 34 países, sendo que o Brasil responde por 69,1% deste total. Isso significa que 11,6 milhões de CO2 foram despejados na atmosfera brasileira pela mineradora. Para se ter uma ideia da grandeza do número, em 2006, as indústrias brasileiras, juntas, lançaram 29 milhões de CO2 no ar. Os dados do inventário da Vale, embora sejam de 2008, se comparados a 2006, sozinha, a poluidora responderia pela emissão de mais de um terço de todo o CO2 despejado no Brasil.

Espólio sombrio

O inventário da Vale deixa evidente que a curva de emissões da mineradora, mesmo com a crise econômica mundial, está em ascensão em todo o mundo, seja diretamente nos oito países em que opera ou indiretamente nas dezenas de outros países que fornecem algum tipo de "energia suja" à mineradora, como uma térmica a carvão, por exemplo.

Os dados do inventário revelam que a empresa reserva para os países que a abrigam um espólio sombrio. Em 2006 foram 10,8 milhões de toneladas de CO2; em 2007, 15,2 milhões, e no ano passado, 16,8 milhões.

O preço do desenvolvimento a qualquer custo é alto e a fatura será cobrada com juro e correção num futuro bem mais próximo do que se imagina. Quem vai pagar a conta são as próximas gerações.

Quanto custa o desenvolvimento?

O discurso desenvolvimentista do governador Paulo Hartung, travestido pelo engodo chamado ES 2025, é um exemplo patente de um Estado que está vendendo a sua alma ao diabo em troca da “equação mágica“: desenvolvimento = geração de emprego2.

A política ES 2025, fundamentada na lógica do desenvolvimento a qualquer custo, está loteando e entregando o Estado de mão beijada às grandes poluidoras, como Vale, Samarco, Aracruz, só para ficar em três exemplos.

Os incentivos oferecidos às empresas pelo Estado são irrecusáveis: licenças ambientais fornecidas no ato da assinatura do contrato, isenções de impostos e "cobertura jurídica" para tocar os negócios sem ser incomodado. De quebra, o investidor recebe uma frase incentivadora de pé de ouvido na hora em que está com a caneta na mão, prestes a assinar o contrato: "Faça de nosso Estado o seu quintal".

Os empresários têm levado a sério as recomendações do governo. Tanto é que anunciaram esta semana um vultoso investimento em Anchieta (sul do Estado). O município que recentemente escapou de abrigar uma megasiderúrgica - que seria implantada pelo consórcio Vale-Baosteel -, vai receber investimentos de três gigantes: Vale, Petrobras e Samarco. Esta última, que já atua no município, anunciou que vai construir a quarta usina de pelotização.

A empresa não informou, mesmo porque ninguém disse que isso era importante, quais os danos ambientais que uma quarta pelotizadora causará à região. Porém, anunciou, orgulhosa, que 5,5 mil empregos serão criados durante a construção da nova planta industrial. Depois de pronta, a pelotizadora deve empregar um "fabuloso" contingente de 400 trabalhadores.

A Petrobras anunciou que vai investir R$ 1 bilhão em um porto-base em Ubu, que deve ficar pronto em 2013. A expectativa da empresa é gerar 1,8 mil postos de trabalho. Os impactos ambientais no novo porto para o ecossistema marinho ainda não foi anunciado.

Na mesma balada, a Vale de Agnelli, querendo mostrar serviço ao presidente Lula depois do arrocho que sofreu, também confirmou a construção de uma siderúrgica em Anchieta, que deve começar a operar em 2014. Para produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano a empresa deve empregar cerca de 3 mil trabalhadores.

A Vale ainda não calculou a quantidade de CO2 que o novo empreendimento deve emitir. Mas parece que isso também não é muito importante agora. Urgente mesmo era encontrar uma solução para os empresários que já haviam enterrado fortunas em Anchieta à espera do empreendimento Vale- Baosteel que naufragou e deixou um monte de “investidor-especulador” na saudade.

Quando à emissão de CO2, vamos aguardar, pacientemente, um novo inventário. Se tivermos sorte, talvez ainda saia antes dos nossos próprios inventários.

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