O projeto da Corporação Vale de instalar a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU) em Anchieta (ES) para ampliar o pólo produtivo, liderado por sua subsidiária, a empresa Samarco mobilizou uma missão solidária integrada, entre outros, por moradores afetados pelas operações da ThyssenKrupp - Companhia Siderúrgica do Atlântico - (TKCSA) em Santa Cruz (RJ). A empresa age como se os danos meio-ambientais irreparáveis que produz há décadas não tivessem sido suficiente; como se não houvessem surgido ameaças às futuras gerações; como se a vida afinal de contas não valesse nada.
Do dia 20 a 22 de novembro, pescadores, docentes, pesquisadores, técnicos e militantes atuantes nas áreas de direitos humanos e meio ambiente trocaram experiências com os habitantes de Anchieta e as comunidades indígenas das imediações. Também participaram do III Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Sul do Espírito Santo.
Foram feitas denúncias sobre as graves irregularidades detectadas desde o início do processo da instalação da CSU. E foram apresentadas propostas para desenvolver projetos produtivos alternativos que preservem as riquezas naturais, a cultura e o patrimônio histórico da região.
Já numa nota enviada em setembro ao representante do Ministério Público em Anchieta, a Associação de Moradores da Chapada do A advertiu sobre a ameaça que sofrem diariamente. "Indústria siderúrgica e preservação do meio ambiente são incompatíveis”, disseram.
Enquanto isto, a Associação de Pescadores de Ubu e Parati, presente nas atividades, junto com a Associação de Catadores de Caranguejos de Anchieta, lembrou que "até a década de 1970, os pescadores artesanais encontravam nesses mares o sustento de suas famílias. Mas o quadro se alterou radicalmente, não apenas na diminuição do pescado como também em redução de suas espécies".
Tudo pelas três usinas que a Samarco possui para "pelotizar" o ferro transportado através de dois minerodutos desde Mariana (MG) para o Ubu e das atividades do porto exclusivo para levar o produto ao mercado externo. Além de produzir excessivo barulho e emissões poluentes, a empresa agrava os danos ambientais com as dragagens e os descartes feitos dentro do próprio mar.
Panfletagem
Uma atividade de conscientização ocorreu no sábado à tarde, quando os participantes do Fórum realizaram uma panfletagem nos principais pontos da cidade. Comércios, praças, praias e bares foram visitados por militantes, que entregaram o jornal da Rede Alerta!.
Um dos momentos mais importantes dessa ação foi a fraternal conversa que Isac Alves de Oliveira, dirigente da Associação dos Pescadores da Baía de Sepetiba (Santa Cruz, RJ), e Ivo Soares, presidente da Associação de Aquicultores e Pescadores de Pedra de Guaratiba mantiveram com pescadores locais.
Depois desse contato, ficou claro que um dos eixos centrais da luta é desarticular as promessas de modernização que a subsidiária da Vale espalha nessa região do Espírito Santo. Igual ao discurso já ouvido pelos cariocas pela TKCSA, que ocultou o que viria: poluição ferrosa, destruição de manguezais, problemas respiratórios, aumento da incidência de câncer, entre outros crimes.
No dia seguinte, na sala de reuniões da Câmara de Vereadores, realizaram-se duas mesas redondas. A primeira chamou-se "Que fazer em defesa de Anchieta?". Contou com a participação de Valmir José Noventa, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); César Albenes de Mendonça Cruz, professor da EMESCAM; e Luis Fernando Novoa Garzón, professor da Universidade de Rondônia.
O MPA advertiu sobre as tentativas de cooptação e debilitação do campo popular. Para isso, propôs "mapear quem somos. Alguns vão até ou final da luta, outros vão até ou meio do caminho e outros só dão alguns passos".
Novoa Garzón disse que "detrás dos mega-eventos esportivos há um movimento brutal de expansão das empresas transnacionais". Também falou sobre o "papel facilitador" do Estado.
Mendonça Cruz disse que "tanta destruição é para alimentar o consumo de 20 por cento da população mundial. É um modelo político autoritário que se sustenta na propaganda e, caso esta não funcione, na criminalização e na repressão".
Durante a mesa redonda "Retrato da CSA, reprodução dos impactos ambientais e sociais", Isac Alves de Oliveira alertou sobre a necessidade de deter a CSU "antes que seja instalada". "Essa é a vantagem que vocês têm em relação a nós", disse.
Adilson Ramos Neves, dirigente dos pescadores de Ubu e Parati, disse que a Vale "quer nos tirar o direito de viver de acordo com nossos costumes". E Antonio Lopes, professor de história e geografia, destacou a faculdade da cada comunidade de "definir o que entende por progresso".
A antropóloga Sonia Mattos, professora da Universidade Federal de Espírito Santo, revelou documentos dos séculos XVI e XVII que recolhem a luta dos indígenas de Anchieta e arredores para reivindicar suas posses e costumes frente ao ultraje do invasor.
Winnie Overbeek, de Rede Alerta, disse que os empreendimentos como a TKCSA e a CSU têm duas caras. "Uma até obter a licença: palavras bonitas e grandes promessas. A outra aparece quando entram em atividade: contaminação e empobrecimento dos moradores".
Com grandes cartazes, nos quais assegura um investimento de 7,2 milhões de reais, a Samarco diz estar "ampliando e modernizando" o hospital de Anchieta. "Desenvolvimento com envolvimento", é a lenda. Lindo... Mas, segundo a população, quase não há médicos, só são atendidas algumas patologias – pelo resto há que pagar - e o Estado fica num suspeito segundo plano.
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Texto e Fotos: German Alemanni
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