Thursday 15 October 2009

Ainda sobre os eventuais atritos entre a Vale e o Goveno Lula

"Parte do governo procura desestabilizar empresa, mas gente também do governo acha que ação é "atrapalhada". O comentário é de Vinicius Torres Freire, jornalista, e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-10-2009.

Eis o artigo.

Integrantes do primeiro escalão de Lula e que vieram do setor privado dizem que "não compreendem bem" o conflito entre o governo e a direção da Vale, mas dizem identificar num "grupo de articuladores" da candidatura de Dilma Rousseff o "núcleo dos insatisfeitos" com a empresa. Esses tais articuladores seriam também do primeiro escalão do governo e de fora dele, do PT. São pessoas para quem a Vale é uma "empresa estratégica" que não funciona como tal, por não adequar seus objetivos ao "incremento da indústria nacional". Lula, grosso modo, quer que a Vale faça aço. Hoje, fazer aço é menos rentável do que vender minérios, para a Vale. Logo, investidores privados não gostam da ideia da Vale siderúrgica.

Esses dois informantes dizem não compreender bem o conflito, "que tem muito de plantação de notícias também", porque: 1) se a insatisfação é com Roger Agnelli, haveria maneiras mais sutis e práticas de tentar afastar o executivo; 2) o governo sempre esteve bem informado sobre as mudanças nos investimentos da Vale, embora tenha sido de fato surpreendido pelas demissões na empresa; 3) o "barulho" para afastar Agnelli tornaria a operação mais difícil, pois coloca um grande banco nacional, o Bradesco, e um grande sócio estrangeiro, a Mitsui, em posição "constrangedora".

Logo, na avaliação desses informantes do governo, o projeto, ainda que "atrapalhado" e "sem muito futuro", seria o de alterar o controle da Vale. Por que "sem muito futuro"? Porque não é de um dia para o outro que algum empresário levantaria capital para comprar uma fatia relevante da Vale, porque os fundos de pensão não poderiam aumentar sua fatia do controle da empresa e porque Bradesco e Mitsui não vão se desfazer de uma hora para outra de um investimento gordo num setor quente. Para que alguma empresa entre no grupo de controle da Vale, seria necessária a aprovação dos demais controladores.

Pela avaliação desses informantes, portanto, não haveria nem plano organizado nem por ora muito factível de alterar o controle da Vale, a não ser por meio de operações financeiras exóticas e de um conflito grave e desgastante com os sócios de fato privados. Consideram que o presidente do fundo de pensão do Banco do Brasil, a Previ, não dá mostras de querer entrar num conflito aberto com seus sócios.

O presidente da Previ, Sérgio Rosa, em público até agora criticou apenas a recente campanha publicitária da Vale, na qual a empresa se defende da crítica de Lula à redução de investimentos, campanha que teria irritado o presidente. Lembram que outro fundo de pensão de estatal, a Funcef (da Caixa), faz menos de uma semana dizia em público que poderia vender sua participação na Vale (na verdade, na Litel Participações, que tem parte da Valepar, que controla a Vale). A Funcef se queixa de "ter pouca influência" na Vale. Mas os informantes observam que a Vale é um ativo importante para a Funcef. Nem seria fácil vender participação como a da Funcef, grande mas insuficiente para morder o controle da empresa. Seria preciso que a Previ entrasse no negócio, vendendo também. Ou comprando. Falta combinar com os sócios privados. Ou confrontá-los violentamente.

Para Lula, Vale está vendendo riquezas sem pensar no país

Agendada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a última reunião de que o presidente da Vale, Roger Agnelli, participou com a cúpula do governo, em 8 de setembro, foi marcada por um bate-boca com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do qual tinha aval, e do dirigente do BNDES, Luciano Coutinho, Mantega acusou a mineradora de apostar na crise, desprestigiar fornecedores brasileiros e recusar-se a dialogar com a União. Agnelli rebateu. Mas não convenceu: Lula considerou-se rompido com o presidente da maior empresa privada do país.

A reportagem é de Gerson Camarotti, Gustavo Paul e Geralda Doca e publicada pelo jornal O Globo, 15-10-2009.

No núcleo do governo, a avaliação é que a relação entre Lula e Agnelli está enterrada. Lula confidenciou a interlocutores sua frustração, por acreditar que a Vale está “vendendo as riquezas do subsolo brasileiro” sem pensar na industrialização do país.

Isso, sustenta, só tem um efeito prático: valorizar as ações do Bradesco e demais acionistas, sem ganho para a sociedade.

— Acho que o Agnelli já era. Ele perdeu a agenda — avaliou a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Para analistas, Agnelli precisa ‘sumir do noticiário’

O encontro foi no gabinete presidencial no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória do governo. Como o clima já era azedo, Agnelli recorreu a Dirceu — que, quando era chefe da Casa Civil, aproximou-o de Lula — para marcar a reunião. Dirceu afirmou que o encontro seria uma tentativa de reaproximação, mas teve o efeito oposto. Segundo os relatos, o clima foi tenso e Lula evitou falar.

Coube a Mantega — aborrecido com a demissão, da diretoria da Vale, de seu ex-braço direito Demian Fiocca — externar o descontentamento oficial.

Mantega cobrou a ausência de investimentos em siderurgia, o que reforça a imagem de empresa de matéria-prima. E afirmou que a Vale não estava comprando no Brasil, numa referência à aquisição de navios no exterior. Agnelli explicou ter tentado efetuar a compra no Brasil, mas que os estaleiros não cumpririam os prazos. E disse que a Vale iria mostrar que o governo estava errado em sua avaliação.

Logo após, a empresa lançou uma ampla campanha publicitária, vista pelo governo como “resposta malcriada” e “bate-boca público” com Lula. Para a cúpula federal, Agnelli teve uma postura hostil e arrogante.

Lula começou, então a estimular a ofensiva do empresário Eike Batista, dono do Grupo EBX, as críticas dos fundos de pensão e as cobranças da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, numa operação orquestrada. Lula deixou claro seu aval à desestabilização de Agnelli ao não recebê-lo na terça-feira.

Ao perceber a aversão a seu nome no Planalto, Agnelli buscou outros setores do governo. Quando seu pedido de audiência com Lula foi recusado, ele foi ao gabinete do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.

— Ele queria fazer uma exposição sobre as obras da Vale no Brasil, no Maranhão, me deu um livro muito bonito — disse Lobão.

Conselheiros de Agnelli recomendam, agora, que ele evite exposição pública e não tente uma aproximação direta com o Planalto nos próximos dias.

Roger não soube manter a distância do presidente. A recomendação é recolher os flaps. Tem de sumir do noticiário para esperar a poeira baixar — disse um interlocutor de Agnelli, admitindo que este ficou “muito encantado” com seu trânsito no Planalto.

Ainda assim, eles garantem que Agnelli resistirá e que a pressão não terá efeitos práticos sobre a direção da Vale. Se ele sair agora, a ingerência política fica caracterizada, abalando a credibilidade da empresa.

— Se Roger cair, as ações da Vale desabam, e o Lula não gostaria de ser responsabilizado por isso. Além disso, os grandes acionistas (fundos, Bradesco e o japonês Mitsui) não iriam querer saber de queda de ações agora. Até porque elas ainda não voltaram aos valores pré-crise — disse um analista.

Mudanças na Vale seriam, no máximo, em diretorias

Isso foi confirmado por um alto executivo do Bradesco, que não está disposto a ceder, demitir Agnelli ou vender ações a Eike. Porém, para apaziguar os ânimos, algumas diretorias, como a de Recursos Humanos, poderiam ser trocadas.

— Mas o Roger continua — disse a fonte.

— A interferência é muito pesada. Imagine se as empresas cedem à pressão: elas vão ficar à mercê do governo.

Para analistas, o vazamento da pressão sobre Agnelli seria uma estratégia pessoal de Eike, com o aval de integrantes influentes da Presidência. O objetivo seria dar-lhe cacife para outros negócios, mostrando-o como um empresário com trânsito no governo e arrojo suficiente para abalar a Vale.

Mas o fato de Eike ter tornado pública sua vontade de adquirir a participação do Bradesco e dos fundos de pensão na Vale não faria sentido, pois não foi bem-sucedida. Afinal, no mundo dos negócios só se divulgam compra e venda de empresas depois de concluídas.

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