Monday, 26 July 2010

Carajás começa de novo, mas o Pará não percebe


Lúcio Flávio Pinto *

Fonte: Adital


A Vale começou a realizar no ano passado o maior investimento da sua história e também o maior da indústria de minério de ferro no mundo. Aplicará até 2015 11,3 bilhões de dólares (mais de 20 bilhões de reais) para dobrar a produção de Carajás, no Pará, que chegará a 230 milhões de toneladas anuais, metade do que a Vale pretende extrair em todo país naquele ano. O novo projeto, mais grandioso do que o inicial, que entrou em operação em 1984, irá incorporar a maior de todas as jazidas da província mineral de Carajás, a de Serra Sul, no momento em que a primeira mina, de Serra Norte, já entrará em fase de redução, e a outra jazida, bem menor, a de Serra Leste, terá entrado em produção.


Dos US$ 11,3 bilhões previstos, US$ 7,8 bilhões serão gastos na duplicação de dois terços da ferrovia de Carajás (em 604 dos seus 822 quilômetros de extensão) e na construção do 4º píer do porto de embarque, na Ponta da Madeira, na ilha de São Luís do Maranhão. Os restantes US$ 3,5 bilhões serão absorvidos pela própria mina, em território paraense. Só neste ano a empresa desembolsará US$ 1,1 bilhão (US$ 766 milhões na logística e US$ 360 milhões na mina).

O programa de investimentos não inclui apenas minério de ferro. No próximo ano o projeto Onça Puma entrará em operação, produzindo 58 mil toneladas de níquel contido em ferro-níquel, seu produto final, ao custo de US$ 2,3 bilhões, sendo US$ 510 milhões neste ano. No segundo semestre será a vez do projeto Salobo dar a partida, com 127 mil toneladas de concentrado de cobre (mais 130 mil onças de ouro), depois da aplicação de US$ 1,5 bilhão, dos quais US$ 600 milhões neste ano. Metade desse investimento (US$ 855 milhões) irá para Salobo I, que acrescentará 127 mil toneladas de concentrado em 2013.

Assim, só no conjunto de Carajás, a Vale aplicará US$ 15 bilhões em cinco anos, um valor de grandeza mundial. Mas não ficará nisso. A usina siderúrgica da Alpa (Aços Laminados do Pará), em Marabá, tem orçamento de US$ 2,8 bilhões para produzir, a partir de 2013, 2,55 milhões de toneladas de placas de aço, que serão utilizadas em parte no próprio local para laminação de semi-acabados.

A primeira fase da CAP (Companhia de Alumina do Pará), em Barcarena, prevê US$ 2,7 bilhões para a escala de 1,8 milhão de toneladas de alumina. Mas a capacidade final será de 7,4 milhões de toneladas, a mesma da vizinha Alunorte, que já é a maior do mundo. Para tornar possível essa expansão da produção, a mina de bauxita de Paragominas receberá US$ 487 milhões para passar de 9,9 milhões para 14,85 milhões de toneladas de minério em 2012.

Esse conjunto de projetos chega a US$ 21 bilhões no qüinqüênio, o equivalente a quase quatro orçamentos anuais do Estado do Pará, com uma diferença fundamental: todo esse dinheiro se destina a investimento, enquanto pelo menos 85% da arrecadação estatal são absorvidos pelo custeio da máquina. Feito o paralelo apenas das verbas de capital, o que a Vale vai aplicar no Pará e no Maranhão em cinco anos corresponde a meio século de investimentos do Estado.

Desta vez, finalmente, vamos nos desenvolver? É o que diz a empresa, com a força de ser mais poderosa do que o próprio governo. E com um poder que crescerá ainda mais pelos próximos anos, já que o Pará será a sua principal fonte de renda em todo mundo. Antes de incorporar como verdade o discurso propagandístico da Vale, que, graças principalmente ao Pará, acumula os títulos de maior empresa privada e maior exportadora do país (já estão trabalhando no Estado 37% dos empregados da antiga estatal, contra 34,4% em Minas Gerais), é preciso processar um volume enorme de informações e considerar uma contextualização extremamente complexa.

O que primeiro assusta é o fato de que esse volume ciclópico de investimentos, em sua maior parte absorvido por máquinas e equipamentos, visa a extração de recursos naturais, a maior parte deles não renováveis. O mais importante é o melhor minério de ferro existente na Terra. Em qualquer país consolidado, a estrutura logística que a Vale criou, está criando e opera estariam sob o controle do Estado e não de uma empresa privada, inclusive nos Estados Unidos. Às duas ferrovias, que são suas por concessão federal e que são também as principais vias de escoamento de carga do Brasil, a Vale acrescentará a Norte-Sul, que fará a ligação entre a ferrovia de Carajás ao norte e a Vitória-Minas ao sul.

Por Carajás, que é um núcleo por excelência de exportação (enquanto o Sistema Sul divide sua produção para também atender o consumo interno), circula o maior trem de carga do mundo (cada um deles com 330 vagões, tendo quatro quilômetros de comprimento). Em nove viagens diárias, os trens têm condições de colocar no porto 400 mil toneladas de minério. Nessa escala, em apenas dois meses a ferrovia dá conta do máximo de exportação que estava previsto no projeto para todo um ano, quando a mina começou a funcionar.

Com a escala de 230 milhões de toneladas por ano, a cada quatro anos a jazida de Carajás perderá quase um bilhão de toneladas. Em 30 anos, o filé mignon do minério de ferro do mundo estará transformado em aço na China, no Japão ou na Europa. Em Carajás só não ficarão apenas buracos porque agora a legislação ambientalista exige que eles sejam tapados.

É um dado chocante. A Vale julga neutralizar o impacto alegando que nunca, como agora, o minério de ferro teve preços tão altos. É verdade. No início da década cada tonelada de ferro valia US$ 30. Hoje, seu preço varia entre US$ 130 e US$ 150 (preço no porto de embarque, sem considerar o frete, que chegou a estar mais alto). Esse incremento, de até cinco vezes em 10 anos, no entanto, foi plenamente absorvido pelas siderúrgicas, que continuaram a expandir suas capacidades.

Não só transferindo o custo para o produto como também por avançarem no processo de transformação industrial. Economizaram energia ao descartar o processo produtivo de maior demanda, no enriquecimento do minério e na sua primeira elaboração, até o limite dos semi-acabados. Empresas como a Vale se encaixaram nessa nova divisão internacional do trabalho e assumiram seu papel de fornecedoras de matéria prima e insumos para os grandes grupos.

Em 2002 a exportação brasileira de produtos de origem mineral alcançava US$ 6 bilhões. Em 2007 foi a US$ 21 bilhões. Metade do saldo da balança comercial brasileira em 2009 foi proporcionada pelos minérios, mesmo com a crise mundial. Em 2008, ano recorde, essa participação foi de 53%. Neste ano a perspectiva é de um novo recorde. Em maio, a exportação do minério atingiu um patamar nunca alcançado: somou US$ 2 bilhões.

A maior parte dessa exportação vai para a Ásia, tendo a China como destaque. Essa diretriz é ainda mais acentuada em relação ao minério de Carajás, não por acaso o mais rico: 80% dele seguem para a Ásia, sendo 60% para a China. As exportações brasileiras para a China foram de US$153 bilhões no ano passado.

Para a Vale, é nesse rumo que a empresa (e o país) deve seguir porque as necessidades chinesas assegurarão volume e preço ainda por bastante tempo. Graças a essa renda, a empresa e o país terão recursos para promover a diversificação de produtos e intensificar a industrialização. Mas se essa alegação pode ter algum sentido para o governo federal e a companhia, não apresenta o mesmo rendimento para o Estado. É brutal o contraste entre o enriquecimento da Vale (cujo valor de mercado é de US$ 140 bilhões) e da União (que nunca arrecadou tanto) e os terríveis indicadores sociais do Estado. Uma das últimas façanhas negativas do Pará é ter o pior ensino fundamental do país. Indicador de futuro comprometido.

Mas alguém no Estado pensa a sério nessa situação? Alguém se impressiona e se assusta com esses dados? De um lado, bilhões de dólares; do outro, pobreza e degradação social, incivilidade, violência, precariedade. O estado de insensibilização é tal que, embora o Pará tenha um comércio pesado com a China, a Federação das Indústrias do Estado não participa do Conselho Empresarial Brasil-China. Mas lá estão as federações de cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso), que também mandam seus produtos para o outro lado do mundo.

Nós, ao que parece, não estamos no mundo. Parecemos aceitar que nos privem dos nossos recursos naturais sem ao menos cogitar outras formas de exploração, como se as que estão em curso fossem inevitáveis, sagradas. A Austrália, competidora direta do Brasil no mercado de minério de ferro, resolveu descruzar os braços e ganhar mais do que o que lhe era oferecido. Primeiro imaginou um imposto sobre os superlucros dos recursos. Sob artilharia pesada das empresas, recuou para o imposto sobre a renda dos recursos minerais, ainda tentando manter alíquotas maiores do que as praticadas até então (30% ou 40%).

Qualquer que venha a ser a fórmula a ser adotada, uma coisa é certa e salta aos olhos: não se pode admitir que a Vale embolse enormes lucros e distribua aos seus acionistas dividendos nababescos, enquanto a receita dos impostos é microscópica e as compensações não passam de perfumaria. A Vale quer aproveitar as vacas gordas dos preços altos das commodities e por isso multiplica a produção e a exportação, que lhe asseguram uma das maiores rentabilidades no mercado internacional. Mas deixa, para os donos dessas riquezas, apenas os ossos do banquete.

É preciso mudar logo essa situação. A atitude inicial é acabar com a nociva "lei Kandir", que isenta de ICMS os produtos que exportamos. Depois, deve-se estabelecer um percentual de retenção do lucro da empresa a partir de determinado nível, para que os ganhos sejam distribuídos. Tudo isso sem deixar de fazer a pergunta elementar: interessa-nos essa escala gigantesca de extração dos nossos recursos naturais? E, naturalmente, buscar a reposta e a forma de dar-lhe vida.

Sem isso, o Pará continuará parado no ar.

* Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)

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