Wednesday 18 February 2009

Artigo: As várias crises de um mesmo modelo

05/02/2009
As várias crises de um mesmo modelo
Karina Kato*

Fonte: http://www.pacs.org.br/

A primeira crise foi a ambiental, demonstrando, de certa forma, a incapacidade do nosso planeta em acompanhar os níveis de produção, poluição e lixo que o modelo atual de sociedade requer. Os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera estão tão altos que impedem que o calor da terra ultrapasse esta camada e se dissipe no universo. O resultado dessa equação é o aquecimento global, o derretimento das geleiras, a desertificação de regiões e outras catástrofes ambientais. Seguiu-se a essa constatação, um reforço à tentativa internacional de constranger, por meio de tratados internacionais, a quantidade de “poluição” e destruição cabida a cada país. Tentativa que, frente aos interesses econômicos, industriais e comerciais não foi e não tem perspectivas de ser bem-sucedida. Para se ter idéia da magnitude desta crise, em 2006, o relatório do Banco Mundial estimou em US$ 650 milhões a US$ 1,95 bilhão o custo para reverter o processo de aquecimento global até o final do século. Isso se os governos começassem a se mexer a partir de então.

Os grandes jornais começavam a “esquecer” a tal crise ambiental, quando outra crise recaiu sobre o mundo: a crise alimentar. Os preços dos alimentos dispararam de um dia para o outro, afetando em cheio as economias dos países. Assim como na ambiental, não se pode atribuir apenas um motivo para a crise alimentar, mas um conjunto deles. Em primeiro lugar, destaca-se a tendência nos últimos anos dos países em reduzir os estoques públicos de alimentos e um movimento de elevação do poder nas mãos das transnacionais atuantes no mercado internacional. Em segundo, a elevação no preço do petróleo, que chegou a US$ 140 o barril, e fez com que os preços dos insumos químicos utilizados na produção de bens agrícolas e os custos de transporte também se elevassem. Em terceiro, o aumento da procura internacional por matérias-primas (em particular por grãos como trigo, arroz e o milho) e demandas de países como China e Índia. E, por fim, um crescente movimento especulativo que invadiu também o mercado de commodities, puxando suas cotações para cima. O resultado de tudo isso foi um aumento generalizado nos preços dos produtos alimentares, prejudicando as classes mais pobres no orçamento familiar.

Agora, chega a crise financeira mundial, que já atinge a economia real, resultando em demissões e falências de empresas. As tentativas de contenção do terremoto financeiro já custaram somente ao governo norte-americano, uma quantia equivalente a um terço do PIB dos Estados Unidos, chegando a US$ 4,6 trilhões.

Mas todas essas crises não são crises isoladas. Todas são faces da mesma crise, que denuncia os abusos do modelo de desenvolvimento de cunho neoliberal, excludente e concentrador. Um modelo que possui matriz energética altamente dependente de fontes de combustíveis fósseis, determinando a exploração cada vez maior de recursos naturais; o consumo crescente de água; a manutenção de indústrias poluidoras e a geração elevada de resíduos sob a forma de lixo. Um modelo que ao se reproduzir determina a exploração de muitos por uma camada reduzida da população. Segundo estimativa do Boston Consulting Group, um quinto de toda a riqueza mundial está concentrada em um milionésimo (0,001 por cento) das famílias, com tendência a maior concentração no futuro.

Mas esse modelo de sociedade começa a dar sinais de esgotamento nas mais diferentes áreas, demonstrando que o planeta não pode arcar com a reprodução generalizada dos altos níveis de consumo. A resolução desse impasse, contudo, não se dará de forma marginal. Não serão medidas de “maquiagem” verde, de intervenções pontuais nos mercados ou de salvamento do setor financeiro que vão permitir a sobrevivência da Terra. O sistema como um todo precisa colocar o homem e a natureza no lugar ocupado atualmente pelo capital. Entretanto, nossos governantes e elites não parecem inclinados a pagar este preço. Pelo contrário, as medidas anunciadas vão na direção de “transformar” para manter tudo como está. Até quando vamos esperar a próxima crise?

Para ler outros artigos sobre a crise mundial, baixe a edição especial do Informativo PACS sobre o tema.


* Economista do PACS

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