O Brasil está em terceiro lugar no ranking de empresas de países “emergentes” com potencial para desafiar empresas transnacionais estadunidenses e européias. É 14 o número de empresas com origem no Brasil entre as 100 maiores do mundo, somente atrás de empresas da China e da Índia. Estas 100 empresas juntas somam US$ 1,5 trilhões. Entre as brasileiras estão Petrobrás, Vale e as grandes construtoras. Somente a empresa Camargo Corrêa dobrou de tamanho entre 2005 e 2007, somando US$ 6,4 bilhões 2007[1]. Vemos, assim, que as empresas com origem no Brasil não só crescem, mas se internacionalizam e ganham mais importância na política externa brasileira, tornando-se também agentes de conflitos entre Estados. Entre os mais emblemáticos estão os casos do conflito entre Brasil e Bolívia, por conta da nacionalização do petróleo naquele país em 2006, e entre Brasil e Equador no último ano, devido aos problemas causados pela construtora Odebrecht na construção da hidrelétrica San Francisco.
De modo geral, as transnacionais são um dos principais motores do desenvolvimento capitalista. Elas têm um papel central na exploração e transferência das riquezas do sul para o norte, em inovações tecnológicas para seu lucro - mas representadas como inovações para toda a sociedade -, e na transformação de países em potências hegemônicas ao longo da história do capitalismo. Por trás de uma grande empresa há sempre um Estado forte, que a financia e estrutura o campo jurídico e político para que ela atue. E por trás de um Estado hegemônico há sempre empresas transnacionais que atuam dentro e fora do país, levando sua marca e criando sua imagem junto à imagem do país potência. Nestes casos a relação entre empresa e Estado é direta, e se explicita com a constante penetração das empresas dentro do aparelho estatal (em conselhos, ministérios ou pela via informal de amizades e lobby). Assim, elas influenciam políticas públicas, tanto para serem beneficiadas por grandes obras, quanto para receberem créditos e incentivos fiscais[2]. Esta mescla entre capital e Estado é característica da hegemonia capitalista, onde os interesses da classe burguesa são apresentados como interesses de todos.
Foi nesse esquema que atuaram as grandes empresas européias e estadunidenses ao longo do último século. E é dentro deste modelo capitalista que o Brasil está buscando se desenvolver. Suas grandes empresas têm sido tratadas como motor do crescimento econômico e do desenvolvimento nacional. Além disso, elas têm sido as grandes beneficiadas de projetos de integração regional baseados na infra-estrutura. Uma melhoria na infra-estrutura entre os países da América do Sul pode ter a vantagem de facilitar a comunicação e as vias de circulação entre os povos da região. Entretanto, grandes projetos, especialmente no marco da IIRSA, têm sido conduzidos prioritariamente para exploração de recursos naturais e para o aprofundamento do modelo exportador. Assim, a integração da infra-estrutura tem levado, em muitos casos, à desintegração de territórios dos povos originais, populações locais e do meio ambiente.
O Instituto Rosa Luxemburg Stiftung promoveu, juntamente com organizações e movimentos sociais brasileiros - MAB, Rede Social Justiça e Direitos Humanos, PACS, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Rede Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul –, uma oficina no Fórum Social Mundial de Belém para debater a atuação das empresas transnacionais brasileiras na América do Sul. O objetivo desta oficina foi abrir um espaço de questionamento e debate sobre o modelo de desenvolvimento ao qual o Brasil está submetido, ao mesmo tempo em que submete seus vizinhos. Que tipo de crescimento e desenvolvimento está sendo criado? Quais as vias de desenvolvimento que estamos seguindo? Quem está pagando por ele? E qual desenvolvimento queremos para nós, povos do Brasil e do continente, e como chegamos a ele? Quem é o Brasil hoje na América do Sul, e qual o papel das empresas na política externa do Brasil?
Nosso objetivo com esta oficina foi de informar de maneira substantiva sobre a atuação das empresas transnacionais brasileiras a partir de depoimentos de pessoas e organizações diretamente afetadas dos países onde atuam, relacionando assim a atuação dessas empresas dentro e fora do Brasil, e abrindo espaço para articulação das organizações e movimentos brasileiros e dos demais países. Portanto, a oficina foi construída de forma tal que a mesa foi composta somente por representantes de organizações de outros países, que lutam contra essas empresas ou que são diretamente afetados por elas. Para falar sobre a atuação da Petrobrás na Bolívia e no Equador, contamos com a participação de Alexandra Almeida (Accion Ecológica, Equador) e Patrícia Molina (Fobomabe, Bolívia); para falar do caso Odebrecht no Equador, tivemos Natalia Landivar, do FIAN; para debater a questão da renegociação e da auditoria da dívida de Itaipu, contamos com Constancio Mendonza (Frente Social y Popular, Paraguai); para fazer a apresentação sobre a entrada do etanol na América Central, principalmente através da diversificação da produção da Petrobrás, tivemos Andrés Leon Araya, da Costa Rica. Luis Novoa falou sobre o papel central do BNDES na expansão destas empresas para a América do Sul, destinando recursos especiais para isto, e em muitos casos desconsiderando critérios ambientais, sociais e trabalhistas. Por fim, a professora Ana Esther Ceceña (UNAM e Observatório Latinoamericano de Geopolítica) fez uma exposição sobre a IIRSA, a iniciativa de integração regional para grandes obras de infra-estrutura, que representa o marco político através do qual as empresas têm se expandido, relacionando-se diretamente com políticas de integração regional. As organizações e movimentos brasileiros ficaram no público e intervieram na discussão.
Tivemos um debate acalorado, pois há claramente posicionamentos diferentes dentro da esquerda brasileira. Principalmente na questão da Petrobrás e da renegociação de Itaipu, temos que debater e desconstruir discursos nacionalistas e desenvolvimentistas na nossa sociedade. Podemos afirmar que temos uma batalha em duas frentes: de um lado, o enfrentamento direto com as empresas, especialmente projetos destruidores dos meios de vida de milhares de pessoas, do meio ambiente, absorvedoras de créditos públicos e, desta forma, da renda da população brasileira; de outro, a luta dentro da própria sociedade brasileira pela construção de um novo senso comum. E este novo senso comum tem como objetivo redirecionar e substituir a idéia de que precisamos nos “desenvolver” no mesmo modelo europeu e estadunidense, crescendo sobre os nossos vizinhos a partir de um projeto de “Brasil potência”, difundida mais fortemente a partir dos governos militares.
Percebemos que, para conseguirmos ganhar esta batalha ideológica, temos que trabalhar dentro do imaginário popular, a partir do senso comum já estabelecido, com o objetivo de construir um novo. É importante notarmos que este senso comum já estabelecido mescla a identidade nacional com o papel das empresas. As empresas se colocam como representantes do Brasil no exterior, imagem reforçada pela mídia e pelas declarações de representantes do governo brasileiro. Os interesses das empresas são representados como interesse nacional, de todos os brasileiros. De maneira emblemática, a empresa Odebrecht se autodenominou recentemente “construtora da integração regional” em anúncios públicos, colocando-se como instrumento de realização dos interesses dos povos e dos países, na tentativa de, ao mesmo tempo, “limpar” sua imagem deteriorada por problemas graves em grandes obras nos últimos anos[3].
Como desconstruir este mito? Como desvincular nossa identidade como povos da identidade corporativa de uma empresa como, por exemplo, a Petrobrás, que representa um passado de luta pela soberania sobre nossos recursos, mas que hoje explora os bens e recursos naturais dos povos da região? O que acontece com os lucros que estas empresas fazem no exterior, ou seja, de que maneira eles se revertem para o Brasil? Estas questões remeteram, no nosso debate, ao papel da chamada “responsabilidade social corporativa”, um complexo mecanismo que mistura interesse público e privado, funções estatais exercidas por empresas, e de certa maneira, “benevolência” e marketing. A própria Petrobrás financiou boa parte do Fórum Social Mundial, e as denúncias sobre seus abusos e violações na Bolívia e no Equador nos levaram a um forte sentimento de revolta e embaraço por estarmos num evento da “sociedade civil” financiado pela empresa. O financiamento da Petrobrás à cultura brasileira, como o cinema nacional, nos impõe um grande quebra-cabeça a desvendar entre identidade nacional-política e a externa- com interesses privados.
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