Tuesday 17 February 2009

Fundos de pensão podem transformar trabalhadores em exploradores


Por Elizângela Araújo

ANDES-SN

José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), já alertava para a ecolosão da crise capita-lista desde meados de 2007. Em várias entrevistas concedidas ao ANDES-SN, ele destacou a necessidade de união da classe trabalhadora para se defender da intensificação da retirada de direitos que com a qual os patrões e os governos neoliberais fustigam os trabalhadores nas crises do capitalismo. Nessa entrevista, concedida durante o 28º Congresso, Menezes combate a expansão dos fundos de pensão, alertando os trabalhadores para a natureza maléfica da previdência complementar que o governo Lula propõe para os servidores. Acompanhe.

- Quais os danos que o surgimento dos fundos de pensão acarretam para a classe trabalhadora?

- Em linhas gerais, a quebra da solidariedade de classe, já que os interesses dos fundos são cada vez mais conflitantes com os demais trabalhadores e sua própria base. Os fundos de pensão aplicam o dinheiro dos trabalhadores em títulos da dívida pública e ações. Isso significa que o tra-balhador também passa a depender cada vez mais da alta de juros e da valorização de ações (aumento do grau da exploração da força de trabalho) para supostamente assegurar sua aposentadoria, portanto, passa a defender interesses semelhantes aos dos capitalistas.

O fato de a CUT ter apoiado a reforma da previdência e a proposta de previdência complementar para os servidores públicos, revela a grande participação que os trabalhadores com fundos de pensão têm dentro daquela central. E o maior dano que isso causa ao conjunto da classe trabalhadora é a destruição do público e ascensão do privado. Junto com isso vem a constituição de um novo segmento de rentistas formado com recursos dos próprios trabalhadores.

Ou seja, os capitalistas desejam ações cada vez mais rentáveis, taxas de juros cada vez mais altas e que o dinheiro público seja cada vez mais utilizado para essa finalidade. Aceitar a previdência complementar é aceitar que seu interesse para assegurar seu futuro seja o mesmo dos capitalistas. Isso cria um grande conflito, porque o trabalhador passa a ter a expectativa de um futuro melhor que dependerá da destruição dos direitos dos trabalhadores de hoje, de seus próprios companheiros. Na medida em que os trabalhadores se tornam parceiros dos grandes capitalistas, tornam-se, também, exploradores, já que participam do conselho de administração das empresas.

- Esse é o caso da Vale, por exemplo?

- Sim. Quem tem o controle acionário da ex-estatal é a Valepar, com 53% do capital votante da empresa. A Valepar foi constituída em 1997 com a participação do banqueiro Daniel Dantas, durante o processo de privatização, com os seguintes participantes: fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da própria Vale (Valia), da Petrobrás (Petros) e também a Bradescopar e a Mitsui, que era um grupo japonês. Isso mostra que os fundos de pensão se associaram ao capital nacional e internacional. Então, os funcionários da Vale, por meio da Valia, são parceiros na gestão da empresa. São eles que, indiretamente, aumentam a jornada de trabalho, precarizam relações de trabalho, promovem demissões e arrocho salarial e provocam danos ambientais. Além disso, são co-responsáveis pela perseguição política a movimentos como o MST. Um exemplo disso foi o episódio no qual o presidente da empresa, Roger Agne lli, chamou o presidente do movimento, João Pedro Stédile, de bandido, durante entrevista à jornalista Miriam Leitão no ano passado. Só para lembrar, o Agnelli foi um dos participantes do consórcio que subavaliou a Vale em 1995, preparando seu edital de privatização como representante do Bradesco.

- A previdência privada é, realmente, uma garantia de aposentadoria complementar?

- Nos anos oitenta, quando o neolibera-lismo estava em expansão nos Estados Unidos e na Inglaterra, o discurso era de que esses fundos seriam totalmente seguros. Mas os exemplos que temos mostraram o contrário. A Argentina privatizou a previdência em 1995, o Chile, bem antes. A Inglaterra também privatizou. Todos esses modelos faliram. Nos Estados Unidos, perderam dois trilhões de dólares e a tendência é perder ainda mais. A responsabilidade de arrecadar e assegurar a todos os setores da classe trabalhadora, mesmo aqueles que têm uma renda menor, uma aposentadoria, ou uma renda mínima que ajude a população a sobreviver, deve ser do Estado.

- Qual a origem dessa insegurança?

- Exatamente dos mecanismos utilizados para assegurar que no futuro os tra-balhadores tenham recursos suficientes para complementar sua aposentadoria, ou seja, das aplicações em ações e títulos públicos. Recentemente, quando as ações despencaram no mundo inteiro, somente nos Estados Unidos, dois trilhões de dólares, que seriam usados para assegurar a aposentadoria no futuro, desapareceram. Na Argentina, em 2001, quando foi declarada a moratória da dívida pública, os fundos de pensão eram os maiores possuidores desses títulos. Durante a renegociação da dívida, o governo argentino ofereceu um deságio de 75% do valor de face daqueles títulos, o que representou uma grande perda de recursos para as aposentadorias futuras. Recentemente, com a nova crise, mais perdas foram registradas. Por último, houve a estatização da previdência privada argentina. No Brasil, os fundos de pensão já perderam apro ximadamente quarenta bilhões de reais durante a crise atual.

- Mesmo assim, setores do movimento sindical defendem a expansão dos fundos de pensão.

- A CUT e outras centrais governistas continuam a realizar seminários que defendem essa expansão. Ao mesmo tempo, a Conlutas combate justamente esse tipo de coisa, e tem entre suas resoluções a proposta de lutar pela anulação da última reforma da previdência, já que ela foi feita a partir do dinheiro do mensalão o que ficou bem claro na CPI, e ao mesmo tempo lutar pelo fortalecimento da previdência pública. Se o governo dá tanto dinheiro para pagar a dívida pública e para salvar capitalistas da crise, tem dinheiro suficiente para garantir a aposentadoria de todos os trabalhadores, fazer a reforma agrária e oferecer os serviços essenciais como saúde, educação, segurança etc.

- Além da luta pela previdência pública, a classe trabalhadora enfrenta perdas salariais de mais de uma década. Como vencer essa questão?

- A primeira coisa: a Conlutas deve realizar um grande estudo sobre as perdas salariais de todos os setores da classe trabalhadora ocorridas nos últimos 15 anos. É importante que saibamos qual foi, de fato, a inflação desse período e as perdas que provocou, para poder reivindicar uma justa reposição. Utilizando como exemplo o estudo que o ANDES-SN fez, sabemos que as perdas salariais para os docentes são brutais. Um professor Adjunto I com doutorado deveria estar recebendo um salário de 13,8 mil reais, mas recebe, aproxidamente, 6,8 mil reais. Parte dessas perdas se deve à desindexação salarial introduzida pelo governo FHC, que também pôs fim à política salarial, além das várias tentativas de combate ao movimento sindical. Enquanto isso, todos os demais preços foram indexados (corrigidos) nã o por um índice de inflação qualquer, mas pelo Índice Geral de Preços - IGP-m, bem mais elevado que os demais índices. Com isso, os salários subiram cada vez menos, enquanto os preços dos serviços públicos privatizados aumentaram cada vez mais. Isso reduziu o poder de compra dos trabalhadores.

A segunda coisa: além desse estudo, é necessário que a Conlutas também promova uma grande mobilização pela retomada da política salarial, evitando que novas perdas ocorram. Ou seja, temos que lutar para zerar as perdas anteriores e evitar que novas ocorram, consolidando a solidariedade da classe trabalhadora. A questão salarial tem que ser tratada com uma perspectiva de classe. Nesse sentido, o ANDES-SN está no caminho certo o aprovar como um ponto central de sua luta a continuidade da organização da classe trabalhadora na Conlutas.


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