Thursday, 26 March 2009

Vale inicia retaliação aos sindicatos de mineração em Minas Gerais


Fonte: CONLUTAS

Por Valério Vieira
e Bernardo Lima,
de Congonhas, MG

Crise Econômica acirra luta de classes na empresa

A crise que sacudiu a economia mundial em meados de 2008 está produzindo um impacto de grandes proporções no mercado de commodities, em especial do minério de ferro. A Vale, maior empresa privada do Brasil e segunda maior mineradora do mundo, encontra-se no olho do furacão e foi uma das primeiras a se mexer no sentido de jogar nas costas de seus empregados o efeito da crise econômica.

A contraparte desse processo, a reação dos trabalhadores e das comunidades, levou ao acirramento da luta de classes entre empresa e empregados, e também com setores da sociedade civil organizada. Todas as diferenças entre as partes nessa luta reduzem-se a uma única questão: quem pagará pela crise econômica? E nessa luta a empresa tem demonstrado que não possui nenhum freio moral para suas ações.

A Vale entra na crise em situação privilegiada

A principal diferença da Vale para a maioria das empresas que foram surpreendidas pela crise é que ela se encontra em situação extremamente privilegiada. A previsão do lucro da empresa em 2008 é de US$ 14,424 bilhões de dólares, bem superior aos US$ 11,825 bilhões do ano anterior. Além do mais, a Vale declarou que virou o ano com US$ 15,3 bilhões de dólares em caixa, suficiente para manter por 10 anos seus empregados do mundo todo.

Mesmo com a crise econômica a empresa enviou US$ 2,85 bilhões de dólares aos acionistas no ano passado, e declarou que repassará em 2009 um mínimo de US$ 2,5 bilhões. Isso significa que apenas o repasse aos acionistas seria suficiente para manter toda a mão-de-obra da empresa por dois anos.

No planejamento da empresa para 2009 consta um gasto de US$ 14,2 bilhões em investimentos. A Vale já adquiriu durante a crise 49 navios, a mina de Corumbá e duas minas de potássio na Argentina (comprou da segunda mineradora do mundo, a Rio Tinto), os ativos da Argos Cementos (empresa da mineração de carvão) na Colômbia, investiu na extração de gás natural no Brasil e em minas de cobre na África.

A posição da Vale é tão privilegiada que ela se dá ao luxo de ser compradora durante a crise econômica e pode operar por mais de uma década em déficit sem se ver ameaçada por falência. A Vale é a típica empresa que, por sua posição e seu caixa, se prepara para tornar-se a primeira mineradora do mundo, no meio da crise econômica.

2008: A Vale é vanguarda das demissões

Quando o mercado internacional começou a demonstrar os primeiros sinais de crise, a Vale tomou uma decisão audaciosa: ser a pioneira das demissões no Brasil. A empresa demitiu de uma só vez 1300 trabalhadores e apresentou aos sindicatos brasileiros uma proposta de suspensão dos contratos de trabalho. Esse acordo, que só pode ser aplicado se aprovado pelos sindicatos, permite à empresa suspender o contrato dos trabalhadores pagando 100% do salário em bolsas, sem direito à férias, FGTS, PLR, ou qualquer outro encargo social, sem qualquer garantia de emprego, mantendo os trabalhadores em cursos de formação profissional.

A Vale também iniciou um forte lobby junto ao governo e à imprensa pedindo a redução dos direitos trabalhistas como forma de facilitar a vida dos patrões durante a crise econômica. Uma entrevista de grande repercussão foi dada por Roger Agnelli, presidente da Vale, à Folha de São Paulo, pedindo "medidas de exceção" que reduzissem os direitos dos trabalhadores.

A reação dos movimentos sociais: Resistência e Capitulação

A reação do movimento sindical da mineração ao primeiro movimento de demissões na empresa foi marcado por posturas opostas. O Sindicato Metabase de Itabira e o Sindicato Metabase Inconfidentes (Congonhas, Ouro Preto e região), ligados à Conlutas, disseram não à proposta da empresa e procuraram o diálogo com os movimentos sociais, sociedade civil e poder público no sentido de organizar a resistência às aspirações da empresa. Já os sindicatos ligados ao grupo CUTVALE (sindicatos da Vale ligados à CUT) e Renovação (sindicatos pelegos tradicionais) correram para aprovar o acordo da suspensão dos contratos e minimizar as demissões que vinham ocorrendo.

O início do ano de 2009 começou dando razão ao movimento combativo. Um amplo movimento envolvendo o sindicatos, associações comunitárias, entidades do comércio, prefeituras e parlamentares levou à uma grande manifestação na cidade de Itabira, causando impacto nacional. Seguiu-se a isso os atos municipais de Congonhas e Conselheiro Lafaiete (nessa cidade encabeçada pelos ferroviários da MRS) em forte demonstração de repúdio às propostas de demissões e redução de direitos.

A empresa sentiu o golpe. A opinião pública dava a cada dia provas de insatisfação com as medidas da empresa. Mesmo a grande imprensa teve que reconhecer que a Vale estava sendo injusta e não tinha razões para demitir. Anos e anos de meticulosa construção da imagem da Vale estava indo por água abaixo. E a empresa foi obrigada a tentar um novo caminho.

Metade do salário e PLR baixa para o trabalhador. Lucro bilionário para os acionistas

Derrotada em sua proposta de suspensão dos contratos e vendo sua imagem prejudicada, a Vale fez nova proposta aos sindicatos: conceder Licença-Remunerada aos trabalhadores pagando metade do salário base até 31 de maio. A cereja do bolo envenenado é que o acordo concede relativa estabilidade no emprego até esta data.

Munida com essa proposta, e aproveitando a onda de acordos com redução de salários da indústria metalúrgica, a Vale inicia nova ofensiva sobre trabalhadores e sindicatos. Apesar de ocorrida duas reuniões da Rede Vale (reunião de todos os sindicatos representantes de empregados da Vale) que afirmaram o compromisso de enfrentar conjuntamente a empresa, os sindicatos da CUTVALE e da Renovação saem em defesa da nova proposta e assinam o acordo com a Vale. Enquanto isso, os sindicatos da Conlutas organizaram reuniões com o governo Lula em Brasília, através do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, com o vice-governador de Minas Gerais e os prefeitos das cidades atingidas e seguiram mobilizando as bases para a rejeição da proposta.

A Vale não consegue esconder por muito tempo seus reais objetivos. Em resolução que faria qualquer pessoa corar, a Diretoria Executiva da Vale indica um repasse mínimo de US$ 2,5 bilhões de dólares aos acionistas em 2009. Ou seja, enquanto propõe ao trabalhador receber apenas 50% de seu salário, envia bilhões de dólares para enriquecer ainda mais acionistas no exterior.

Ao saber da vergonhosa resolução da diretoria, os sindicatos Metabase Itabira e Metabase Inconfidentes produzem uma Proposta ao Conselho de Administração exigindo a rejeição do indicativo, a redução pela metade do repasse aos acionistas e a abstenção de novos investimentos no exterior, visando manter caixa que garanta que a reintegração dos demitidos e a estabilidade no emprego por pelo menos um ano, sem necessidade de reduzir salários ou suspender contratos. A proposta foi apresentada aos outros sindicatos, que optaram por não assinar conjuntamente o documento.

Ao mesmo tempo, o Metabase Inconfidentes protocola denúncia no Ministério Público devido ao fato do acordo proposto infligir a Constituição Federal (artigo 7º, inciso 6) e a Lei 4923/1965, que abre espaço para redução de salário dos trabalhadores, com prévio acordo dos sindicatos, apenas para empresas em dificuldades financeiras.

Ato no Rio de Janeiro

No meio desse furacão os sindicatos da mineração, a Conlutas e a CUT realizaram uma manifestação conjunta no Edifício Barão de Mauá, sede nacional da Vale. A manifestação contou com 500 ativistas e teve um tom bastante radicalizado. Os manifestantes gritavam palavras de ordem pela reestatização da empresa e contra as demissões. Exigiam também a reintegração dos demitidos, a estabilidade no emprego e faziam uma denúncia do Lula, que ajuda os empresários com empréstimos bilionários. Ao mesmo tempo, exigiam a intervenção do governo Lula de forma decidida através de uma MP que proíba demissões massivas.

Chamou a atenção a unidade das centrais no discurso contra as empresas privadas, mas também a dissonância dos discursos quando se toca na questão do governo. Enquanto a Conlutas denuncia a postura de Lula de salvar empresas enquanto nada faz pelo trabalhador e exigir do governo medidas decisivas nesse momento de crise, a CUT sai em defesa de Lula e se cala frente aos repasse.

Retaliação e crime contra a organização sindical

Desde o primeiro momento a Vale e os sindicatos pelegos esforçam-se para isolar a Conlutas e os sindicatos de Itabira e Inconfidentes. A empresa comete, sucessivamente, crime contra a organização sindical ao fazer demissões seletivas nas vésperas das assembléias visando criar o pânico entre os trabalhadores. A empresa já desistiu de ganhar o trabalhador na conversa e agora esforça-se por exercer toda a pressão possível, com direito à assédio moral e ultimatos. No comunicado aos funcionários apresentando a proposta de licença remunerada com a metade do salário, a Vale oferece duas alternativas: ou aceita a proposta ou pede demissão.

A última manobra da empresa ocorreu na quinta-feira (12/02). Trinta minutos antes da assembléia que decidiria sobre o acordo a empresa retirou a proposta para o Sindicato Metabase Inconfidentes. Sua intenção? Cancelar a assembléia, retaliar o sindicato devido à denúncia no Ministério Público e jogar os trabalhadores contra o sindicato.

Mas o sindicato não se intimidou. A assembléia ocorreu e a situação foi apresentada aos trabalhadores. O sindicato seguiu normalmente a consulta da opinião da base acerca da proposta e defendeu vigorosamente a rejeição do acordo. Os trabalhadores mostraram-se indignados com a atitude da empresa e solidarizaram-se com o sindicato, apoiando os diretores e recusando fazer qualquer pressão pela retirada da denúncia no Ministério Público.
Neste momento, estão se realizando as diversas assembléias nas minas e, devido a enorme pressão da Vale, configurando abuso de poder econômico, e uma tênue esperança por parte dos trabalhadores de manter seu emprego, provavelmente aprovarão a proposta da empresa.

Sindicato de Congonhas solicita apoio nacional para evitar fechamento de minas e contra a retaliação da Vale, que já começou

Nas assembléias massivas que estão se realizando neste momento o sindicato está informando que a proposta da Vale de redução salarial prepara as condições para uma demissão massiva dentro de 3 meses e fechamento de minas no Estado de MG.

A Vale deve diminuir a produção de minério de ferro para cerca de 200 milhões de toneladas, frente às 300 milhões que ela estava produzindo. Isso significa que a Vale manterá a produção em Carajás, onde o minério é mais puro e não necessita beneficiamento, de cerca de 130 milhões de toneladas e produzirá o restante em Minas Gerais, que baixará pela metade sua produção, fechando muitas minas. A Vale cospe no prato que comeu. Há 65 anos a Vale retira minério do Estado e agora despejará seus trabalhadores na rua, como bagaço de laranja.

A possibilidade do fechamento de minas é presente pois já tem muitas minas paralisadas no Estado.

Isto tudo foi informado nas assembléias. Também se informou que a Vale deve fazer demissão massiva a partir de 31 de maio, quando acabam estes acordos. O sindicato avisou que, caso cheguem telegramas com demissões massivas, todos os demitidos devem vir para o sindicato pois organizaremos a greve e a ocupação da mina e iremos a Brasília, em caravana para exigir que Lula garanta os empregos e reestatize a empresa.

A Vale retirou a proposta para o sindicato de Congonhas e Ouro Preto. Isto tem um duplo significado: teme que sua proposta seja rejeitada pelo Ministério Público (coisa que é possível pois o acordo é totalmente ilegal (dia 13 de fevereiro haverá uma reunião entre as partes) e ao mesmo tempo iniciará uma retaliação ao sindicato por ter sido o único, junto com Itabira, que não se curvaram ao poder da empresa.

Informamos na assembléia que a Vale, neste momento, só está demitindo na nossa base, em retaliação à nossa posição contrária ao acordo de redução salarial.

Por isso, solicitamos a todo o movimento sindical combativo que nos ajude nesta luta desigual contra a maior empresa privada do Brasil. Nossa vitória contra ela, será uma vitória de todos os trabalhadores brasileiros.

Nossa disposição, caso a empresa faça retaliação contra o sindicato, é realizar um movimento nacional em defesa do sindicato e dos trabalhadores da base e iremos até Brasília, em caravana dos sindicalistas e demitidos, para expor a todo o país a destruição de um bem estratégico do Brasil, realizado pela iniciativa privada.

Ao nos filiarmos a Conlutas, adquirimos a convicção que não estamos sozinhos e que podemos vencer a intransigência patronal. Neste momento, precisamos da sua solidariedade política na guerra que está se iniciando.

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