Tuesday, 31 March 2009

Estrada de Ferro Carajás: Meninos e meninas do trem


(foto: Bruno Haspinger)

por Antonio Sofientini

@S MENIN@S DO TREM”: UMA “RUA” LONGA DE 892 KM

A campanha “justiça nos trilhos” foi convidada, no dia 27 de março em São Luis, a participar, no marco do segundo seminário estadual “criança não é de rua”, de uma mesa redonda, juntamente com UNICEF, Conselho Tutelar do município de Caxias, Companhia Vale do Rio Doce, que tinha como foco especifico a situação das crianças no Maranhão apresentando a realidade d@s “menin@s do trem”.

Queremos com essas linhas continuar as reflexões que foram desenvolvidas ao longo das exposições e do debate porque achamos importante que não se deixe “cair” o discurso pois o que está em jogo são os direitos de crianças e adolescentes que, como bem enuncia o ECA no artigo 4, tem prioridade absoluta.

MENIN@S DO TREM” DE QUE SE TRATA?

É muito simples explicar o fenômeno: ao longo da estrada de ferro de Carajás (892 Km) o trem que transporta o minério tem que parar muitas vezes. Em proximidade dos centros habitacionais maiores (Marabá, São Luis) o trem é abordado por crianças e adolescentes (meninos ou meninas) que entram nos vagões e viajam neles até quando o trem não chega ao destino ou até quando não forem pegos pelas seguranças da Companhia Vale.

Pode-se imaginar o perigo que significa para os meninos “enfrentar” a viagem. Para muitos deles é uma aventura mas a maioria das vezes significa viajar sem proteção, expostos as mais diferentes condições climáticas, a contato com o mineral etc.

O que acontece quando @s menin@s são encontrados pela segurança da Companhia Vale?

Eles são entregue ao Conselho Tutelar mais próximo, o Conselho Tutelar faz a identificação dos mesmos e a Vale assume as despesas de alimentação para as crianças na casa de passagem e as despesas de volta para o município de origem das mesmas crianças juntamente as despesas do Conselheir@s Tutelar que os acompanha (a viagem de volta é feita no trem passageiros, de propriedade da Vale, em classe executiva). Chegando ao destino, @s menin@s são entregue ao Conselho Tutelar do município que se assume a responsabilidade de acompanhá-los nas famílias.

ALGUNS DADOS PARA COMPREENDER O “FENOMENO”

No seminário foram apresentados os dados de dois municípios: Pindaré Mirim e Açailândia.

O Conselho Tutelar de Pindaré Mirim tem registros de ocorrências a partir do ano 2005 como abaixo documentado:

2005 – 04 (sendo meninas entre 14 e 17 anos).

2006 – 13 (sendo adolescentes entre 13 e 15 anos provenientes da cidade de Marabá – PA).

Obs: Nesse período há um registro de acidente de uma adolescente que ao descer de um dos vagões sofreu um corte no pé direito, sendo atendida na unidade de saúde de Pindaré sem seqüelas para a mesma.

2007 – 23 (sendo 04 crianças entre 10 e 11 anos e 19 adolescentes entre 13 e 17 todos proveniente de Marabá – PA).

2008 – 18 (sendo crianças e adolescentes entre 11 e 16 anos, provenientes de Alto Alegre –MA, Monção – MA, São Luis – MA e Marabá – PA).

Ao longo de 4 anos foram registradas no Conselho Tutelar 58 ocorrências e na maioria dos casos trata-se de crianças ou adolescentes provenientes da cidade de Marabá (PA).

O Conselho tutelar de Açailândia ofereceu os dados do ano 2008. Foram registradas ocorrências nos meses de Janeiro até Setembro como mais abaixo detalhado:

Janeiro 2008: 4 registros sendo 1 criança e 3 adolescentes (3 meninos e uma menina) provenientes de Marabá (PA).

Fevereiro 2008: 1 registro sendo adolescente menino proveniente de Parauapebas (PA).

Março 2008: 13 registros sendo uma criança (masculino) e 12 adolescentes (11 meninos e uma menina), 11 provenientes de Marabá e 2 de São Luis (MA).

Abril 2008: 3 registros de adolescentes meninos, 2 provenientes de Marabá e um de São Luis

Maio 2008: 8 registros sendo uma criança de sexo masculino e 7 adolescentes (uma menina e seis meninos). 6 provenientes de Marabá e 2 de São Luis.

Junho 2008: registro de 7 adolescentes meninos; 4 provenientes de Marabá e 3 provenientes de São Luis.

Julho 2008: 5 registros sendo uma criança de sexo masculino e 4 adolescentes (3 de sexo masculino e uma de sexo feminino). 3 provenientes de São Luis e 2 provenientes de Marabá.

Agosto 2008: registro de 5 adolescentes (4 meninos e uma menina). 3 provenientes de Marabá e 2 de São Luis.

Setembro 2009: registro de 4 adolescentes (3 meninos e uma menina). 3 provenientes de Marabá e um de São Luis.

Resumindo os dados nos primeiros 9 meses do ano 2008 no Conselho Tutelar de Açailândia foram registradas 50 ocorrências: 4 crianças (com menos de 12 anos) e 46 adolescentes, 6 meninas (todas adolescentes) e 44 meninos. A origem dos menin@s é: 1 Parauapebas, 13 São Luis e 36 Marabá.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Até aqui a descrição do fenômeno e os dados a disposição. Embora sendo estes últimos parciais podemos fazer algumas considerações que tem a ver com o fenômeno em si mesmo, com o papel dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direito e com as responsabilidades do Poder Publico e da Companhia Vale.

Pelo que se refere ao fenômeno “menin@s do trem” em si mesmo é importante ressaltar a gravidade do mesmo. Os números revelam um processo que já tem anos de vida, que é a cada ano sempre maior e que explicita de maneira muito clara a precariedade e a falta de oportunidade que tem hoje as crianças e adolescentes que moram nas periferias das grandes cidades. Até hoje não existe um estudo especifico sobre o “fenômeno”, só a experiência e o testemunho dos Conselheiros e Conselheiras tutelares nos revela a gravidade do mesmo e é uma campainha de alerta para que ações urgentes sejam tomadas. A Campanha “justiça nos trilhos” se coloca a disposição da sociedade civil, das organizações de defesa dos direitos das crianças e adolescentes para que o “fenômeno” menin@s do trem possa ser estudado de maneira multidisciplinar e possa ser elaboradas pautas concretas de ação para que o mesmo seja eliminado ou reduzido.

É importante ressaltar também a necessidades que a ação dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direito (estamos falando aqui de 25 municípios e de uma população de mais de 2.000.000 de pessoas) que operam na área de influência da Estrada de Ferro do Carajás (EFC) seja sempre mais articulada desde um trabalho de rede (networking). Que os dados sejam disponibilizados e compartilhados. Tratando se de um “fenômeno” que tem a ver com a garantia dos direitos é importante que no processo seja envolvido o Ministério Publico Federal além do Ministério Publico estadual dos Estados do Pará e Maranhão.

A realidade dos “menin@s do trem” evidencia também que, a pesar de muito já ser feito, muito ainda tem que se fazer, para desenvolver políticas publicas que garantam os direitos enunciado no artigo 4 do ECA. Além disso enfrentar o tema “menin@s do trem” significa necessariamente abrir o leque para que sejam efetivadas políticas publicas e políticas de geração de trabalho e de renda para todas aquelas famílias que continuam “sobrevivendo” e lutando no dia a dia das periferias das grandes cidades o nos subúrbios dos distritos industriais. Não se trata simplesmente de repetir programas federais de redistribuição da renda (que não podem ser eliminados), é preciso que as administrações estaduais e federais desenvolvam programas próprios favorecendo o local e o familiar.

Finalmente é justo que a Companhia Vale (diretamente responsável da realidade “menin@s do trem) de respostas claras a perguntas que ficam abertas:

· O que é que a Companhia Vale do Rio Doce está pensando para solucionar o problema “menin@s do trem”?

· Qual é atualmente a garantia do sistema de segurança ao longo da Estrada de Ferro do Carajás (EFC)? O que a Companhia está fazendo para tornar mais eficiente o sistema de segurança da EFC? Qual é a participação da sociedade civil e das famílias que moram a beira de EFC neste processo?

· Quais programas sociais a Vale está desenvolvendo nas cidades onde se origina a realidade “menin@s do trem”? As famílias das crianças diretamente interessadas no fenômeno estão envolvidas? Qual é a garantia de continuidade que a Companhia Vale da para o desenvolvimento dos programas? Como as pessoas e as famílias cadastradas nos programas são acompanhadas? Qual foi a participação da comunidade e da sociedade civil organizada em geral no estudo, planejamento e execução dos programas?

O debate fica aberto: a campanha “justiça nos trilhos” se coloca a disposição para poder continuar a discussão com o fim de elaborar e efetivar propostas de trabalho que possam melhorar as condições de vida das crianças e adolescentes que moram ao longo do corredor da Estrada de Ferro do Carajás no espírito do artigo 4 do Estatuto da Criança e Adolescente.

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