Carajás: dilema do desenvolvimento sustentável
Fonte: Forum Carajás
Encravada no coração da floresta amazônica, a maior mina de ferro a céu aberto do mundo não criou a riqueza e qualidade de vida esperadas
O buraco é tão largo e fundo que, de longe, os caminhões parecem formigas. Pequeninos, são pontinhos andando de um lado para o outro em fila, passando carregados de forma ordenada, ininterrupta. De perto, são monstros de 6,5 metros de altura, mais de 8 metros de largura e 13 metros de comprimento. Só a roda tem 3 metros, praticamente a altura de dois fuscas, um em cima do outro. Bem vindo a Carajás, a cratera gigante tida como maior mina de ferro a céu aberto do planeta.
Os caminhões, que parecem formigas de longe, tem rodas de 3 metros, praticamente a altura de dois fuscas, um sobre o outro
O principal pólo de extração de minério de ferro do Brasil fica dentro da Floresta Nacional de Carajás, no sudeste do Pará. Trata-se de um projeto de escavação comandado pela empresa Vale bem no meio de uma área preservada de 411 mil hectares. Para chegar até ao ponto em que é possível avistar as escavações é necessário percorrer mais de 35 km de mata, uma das poucas da floresta amazônica que ainda resiste à destruição provocada pelo avanço da pecuária e de madeireiras na região. A reserva fica localizada bem no Arco do Desmatamento, fronteira assim chamada devido à velocidade com que a derrubada de árvores vem acontecendo. Ao redor da Floresta Nacional de Carajás, a paisagem é uma constante de fornos de carvoarias, troncos derrubados empilhados e pastos selvagens.
Não que a paisagem do alto do ponto de observação da lavra N5, uma das cinco abertas em Carajás, seja bonita. No coração da reserva, as árvores dão lugar a um chão de cascalho tom ferrugem que esfarela na mão. Ao redor, montanhas de terra e ferro empilhados, em tons que variam entre preto, vermelho, marrom e amarelo. O cenário é surreal. Os tais caminhões, cada um com capacidade para transportar 240 toneladas, não param. Literalmente. Até de noite, iluminados por holofotes alimentados por energia solar durante o dia, os operadores mantém o ritmo de extração. Um movimento constante para alimentar a exportação de minério de ferro do Brasil para América do Norte, Ásia, Europa e Oriente Médio.
Os trens chegam a ter mais de 3,9 km de comprimento e não são poucos os acidentes fatais envolvendo homens e animais no percurso de 892 km
O transporte é outro desafio. Do município de Paraupebas, no Pará, onde fica a reserva florestal e a mina, o minério é transportado pelos 892 km da Ferrovia de Carajás até o Porto do Itaqui, em São Luís, no Maranhão, de onde segue para o exterior. Ver o trem carregado passar impressiona tanto quanto ver os caminhões da altura de casas. São composições que chegam a ter mais de 3,9 km de comprimento, seqüência interminável de 330 vagões transbordando de minério de ferro, cada uma puxada por 4 locomotivas distribuídas pela composição. Em 1997, quando a Vale foi privatizada, a ferrovia passou a ser controlada pela empresa graças a uma concessão por 30 anos, que pode ser renovada por mais 30.
Preservação ambiental
A Ipomoea cavalcantei é uma pequena flor vermelha ameaçada de extinção. Trata-se de uma das plantas que compõe a savana metalófita, vegetação típica de regiões rochosas com alta concentração de ferro, como Carajás. Esta flor e diversas outras espécies são endêmicas, ou seja, só existem na região. E, por isso, estão ameaçadas pelo aumento constante na velocidade da extração de ferro. Ao mesmo tempo em que a Vale, por meio de parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tem papel decisivo na preservação da Floresta Nacional de Carajás, ela é também responsável pela extinção em curso de todo um ecossistema – mesmo com cuidados que incluem até o lançamento por meio de helicópteros de coquetéis de sementes para tentar recompor a área destruída para retirada do ferro.
“Esta é uma questão ambiental delicada. A savana metalófita é muito rara e foi basicamente extinta em Minas Gerais. Hoje está ameaçada com esse modelo de explorar a totalidade dos recursos com a maior eficiência e velocidade possíveis. Em termos ambientais, seria muito ruim se acontecesse a extinção”, diz Frederico Drummond Martins, representante do ICMBio responsável pela Floresta Nacional de Carajás. É ele quem coordena uma equipe de apenas 13 funcionários responsáveis por fiscalizar mais de 1 milhão de hectares de floresta. Não fosse o apoio da Vale, o órgão público teria dificuldades em monitorar todo o conjunto. São cinco unidades de conservação distribuídas ao redor da mina a céu aberto, que resistem à pressão provocada pela pecuária.
“Uma imagem de satélite mostra muito bem o contraste entre a área desmatada e a área da Floresta. O Arco do Desmatamento passou com muita agressividade na região”, resume Martins, que elogia o apoio da empresa, apesar de fazer ressalvas. “A mineiração é um processo organizado, não é como a pecuária. Tem um impacto, mas ele é localizado. Uma área da mata é substituída pela mina e pronto. Este é um aspecto. Por outro lado a mineração trás um fluxo migratório grande, que se estabelece na cidade e cria uma pressão na área do entorno, caça, desmatamento, incêndios”, afirma.
Do alto, é possível ver a diferença entre a área ainda preservada
e a que foi destruída pelo Arco da Devastação
Ele é crítico em relação ao modelo de extração de ferro adotado na região. “Um projeto desse tamanho trás benefícios para o Brasil. Gera valores, empregos, isso é inquestionável; mas do ponto de vista da distribuição há problemas. Temos uma riqueza natural fabulosa, reservas de cobre, de manganês, e tudo isso fica muito concentrado. Não se vê uma distribuição da riqueza gerada”, defende. “Esses recursos poderiam estar sob um controle social maior, mais bem distribuídos. Para aproveitar o momento de mercado, a exploração tem que ser muito intensa e não há preocupação estratégica, planejamento a longo prazo. E tem a questão ambiental, a ameaça de extinção com esse modelo de explorar a totalidade do recurso com a maior eficiência”, completa.
Exploração
O responsável pela preservação da Floresta Nacional de Carajás não é o único a apontar problemas na maneira como a extração de minérios tem acontecido na região. A velocidade crescente com que a Vale tem enviado o ferro brasileiro para o exterior e os valores envolvidos nas exportações têm despertado a atenção das autoridades. Em março, durante evento em São Paulo, o vice-presidente da República, José Alencar, comparou a extração de minérios à exploração de petróleo e defendeu que a Vale deveria pagar royalty.
“A constituição prevê com clareza que o subsolo é um bem da União. A mineração deveria ter o mesmo tratamento que o petróleo. Minério de ferro deveria ter o mesmo tratamento, mas não paga nada, não paga nem um royalty, ao passo que petróleo paga, e é pesado”, afirma. “Temos exportado minério de ferro em grande quantidade. É preciso que pese sobre esse minério um royalty para que possamos desenvolver as regiões que são levadas a produzir minério de ferro. Todo mundo sabe em que se transformam essas regiões”, afirmou (ouça o vice-presidente).
A Vale alega contribuir constantemente para o desenvolvimento sustentável dos territórios onde atua e diz que “em 5 anos o investimento na área sócio-ambiental cresceu quase 400%”. Segundo dados da empresa, entre 2005 e 2009, quase US$ 3 bilhões foram destinados a projetos sócio-ambientais. Na cidade vizinha à maior mina de ferro a céu aberto do mundo, porém, não faltam críticas. O prefeito de Paraupebas, Darci Lermen, reclama que os números divulgados pela empresa não correspondem ao real volume de exploração e há anos briga na Justiça pelo pagamento de mais impostos. Não se cansa de repetir que “não há fiscalização, quem diz quanto vendeu é a companhia” e que “gosta tanto da Vale que queria que ela voltasse a ser estatizada”
Responsabilidade social
O principal imposto pago pela companhia é a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). As divergências quanto ao pagamento desta taxa, porém, levaram o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a acionar a Justiça contra a empresa. Em entrevista ao “IG” o diretor-geral do órgão, Miguel Nery, falou até em cancelar o direito de exploração da mineradora devido à evasão de impostos.
Ex-governador do Maranhão lamenta que a empresa não tenha que pagar imposto pelas toneladas de ferro atravessam diariamente o Estado.
O ex-governador do Maranhão, o médico Jackson Lago (PDT) reclama que, em função da Lei Kandir, de 1996, a companhia não paga Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o estado por onde o minério é escoado. “Há 40 anos se dizia que o Maranhão não seria mais um estado pobre por causa do Projeto Carajás. O que é o projeto até hoje? Uma mina no Pará, uma ferrovia de 900 km que termina no Porto Itaqui, em São Luis, que é o porto mais próximo da Europa e dos Estados Unidos e só. Esse minério atravessa o Maranhão e, graças a Lei Kandir, não paga ICMS. Não fica um tostão por aqui”, diz Lago. “Esses projetos não melhoraram em nada a qualidade de vida da população. Queremos sim grandes empreendimentos, mas com mais responsabilidade social”, afirma. A empresa alega que vem investindo constantemente e que, só em 2009, destinou US$ 1,224 bilhão no Estado, sendo US$ 26,3 milhões em investimentos sócio-ambientais. Também ressalta que os projetos que desenvolve geraram cerca de 3.400 empregos em canteiros de obras.
Por: Daniel Santini é repórter e estuda jornalismo internacional na PUC-SP. Esteve em Carajás em janeiro 2009 a convite dos organizadores do Fórum Social Carajás, evento que antecedeu o Fórum Social Mundial e que reuniu intelectuais, jornalistas e representantes de movimentos sociais de mais de 20 países diferentes em um debate sobre os problemas e perspectivas da região.
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