Friday 27 March 2009

Artigo: Teatro dos horrores em Sepetiba

Por: Carlos Tautz*
Fonte: Blog do Noblat

Com a inexplicável ausência dos maiores meios de imprensa do Rio de Janeiro, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado (Alerj) realizou na quarta (25/03) uma audiência pública que muito lembrou as denúncias de violências cometidas pela ditadura durante a implantação de grandes projetos de infraestrutura nas décadas de 1960 e 70. Pescadores da Baía de Sepetiba, na zona oeste da capital, relataram a morte de pelo menos um pescador e de no mínimo três operários durante a construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) naquela região. Durante duas horas, um verdadeiro teatro dos horrores foi narrado, trazendo à lembrança um tempo que se supunha extinto no Brasil.

Foi levantada até a possibilidade de integrantes de milícias atuantes da Zona Oeste terem sido contratados como seguranças pela CSA. Pelo menos um pescador que reclama da intimidação, e cujo nome ele pede para manter sigilo, teve de deixar Sepetiba após sofrer ameaças de morte a si e à sua família. O representante da CSA, Pedro Teixeira, disse desconhecer as ameaças e a ocorrência das mortes, mas admitiu que o homem apontado e fotografado pelos pescadores chama-se Barroso e é chefe de segurança patrimonial da empresa.

A CSA também é acusada de uma série de irregularidades ambientais e de ter tido influência, ainda que indireta, na queda de altos funcionários da superintendência do Ibama no Rio e da Feema, o antigo órgão ambiental do estado, que colocarem ressalvas ao licenciamento da obra – o maior projeto privado constante do Programa de Aceleração do Crescimento e que recebeu pelo menos R$ 1,48 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. O projeto, em seu total, está orçado em R$ 15 bi.

A corresponsabilidade do BNDES na má condução da obra é um capítulo específico nessa história macabra, como apontam os pescadores e as organizações não governamentais que saíram em seu apoio. Em 2 de outubro de 2008, uma comissão deles entregou à Ouvidoria do Banco um dossiê com as denúncias e solicitou a suspensão da liberação do empréstimo, baseado no compromisso do BNDES em respeitar cláusulas sociais nos contratos que assina com os tomadores de empréstimos.

Uma vez comprovadas denúncias, como aquelas que já está registradas pelo Ministério Público do Estado, o Banco está obrigado a parar a liberação de dinheiro, até que as empresas acusadas expliquem a situação. Mas, não isso que aconteceu.

A Ouvidoria não se pronunciou até hoje, o que levou a organização Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) a entregar novamente o dossiê com as denúncias,em 13 de fevereiro, ao próprio presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e ao seu chefe de gabinete, Paulo Mattos. Não se conhece qualquer atitude tomada pelo BNDES.

No final da audiência, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Marcelo Freixo (PSOL), solicitou a inclusão dos pescadores no programa de proteção a testemunhas e começou a organizar uma visita à obra. Fotos aéreas tiradas pela Polícia Federal, também em posse dos pescadores, mostram que o projeto cortou manguezais e aterrou pelo menos um rio que desembocava na Baía e por onde passavam os barcos dos pescadores.

Estes também denunciaram a utilização de lanchas potentes para ameaçar os pescadores. Uma dessas ameaças causou o abalroamento de um barco e a morte de um pescador. Um segundo pescador está abalado emocionalmente e, na época da agressão, foi mantido em clínicas particulares sem aviso á família. Na busca pelo sobrevivente, os pescadores convocaram o Corpo de Bombeiros, que então conseguiu retirar do fundo de um rio próximo à obra os três cadáveres vestidos com uniformes de operários.

Incensada pela imprensa carioca como um dos símbolos da suposta recuperação econômica do Estado, a siderúrgica terá quase toda sua produção exportada para, principalmente, os EUA e a Ásia, num aparente sinal de modernidade. Mas, na prática, o simples aparecimento de denúncias desse quilate mostra que há algo de poder no reino da Thyssen-Krupp/Vale. E que cheira a um passado do qual precisamos nos livrar.


* Carlos Tautz é jornalista

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