15.03.09
Fonte: Justiça nos Trilhos
A campanha Justiça nos Trilhos voltou a encontrar as comunidades do corredor de Carajás.
Sexta 13 e sábado 14 de março, em ocasião da Assembléia Paroquial da Paróquia São Francisco de Alto Alegre do Pindaré, houve uma formação popular sobre o tema “Bíblia e Ecologia” e sobre o impacto da Vale na região.
Nos mesmos dias, a própria Vale estava encontrando os prefeitos da região, em visitas voltadas a realizar um Plano de Gestão Integrada ao longo do corredor de Carajás.
“Nos perguntamos que tipo de ‘integração’ a Vale visa, considerado que esses encontros não foram divulgados e a sociedade civil não pôde participar do planejamento sobre seu próprio território, seu próprio futuro” – comenta Pe. Dário, um dos coordenadores da Campanha. “Qual é a consideração da Vale para com o povo e as comunidades organizadas? Por que o próprio diagnóstico realizado em 2007 ao longo dos trilhos pela multinacional nunca foi publicado e devolvido ao povo em audiências públicas?”
A prática da campanha Justiça nos Trilhos é bem mais democrática e fez questão, até agora, de encontrar as comunidades de Açailândia, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Presa de Porco, Belém e São Luís. O objetivo desses encontros, que envolvem a sociedade civil local, é articular um debate sobre o impacto da Vale na região, verificar quais projetos sociais foram bem sucedidos, que tipo de conflitos são causados pelas operações ao longo da ferrovia e que possibilidades existem para o povo conseguir indenizações e compensações, que são de seu direito.
O encontro de Alto Alegre confirmou as percepções dos seminários precedentes.
No município houve um significativo investimento da Vale sobre educação, com o programa “Escola que Vale”; pelos comentários do povo, o nível da educação melhorou, mas tratou-se de um investimento temporário (quatro anos) que há mais de um ano foi encerrado. Uma experiência boa, mas sem continuidade.
É contínua, ao contrário, a sucessão dos trens que passam levando o lucro da Vale para fora do Maranhão: “Como pode o povo se conformar vendo a cada dia centenas de vagões carregados de minério passar em nossa frente, enquanto em Alto Alegre só fica a pobreza, a desorganização das estradas e os atropelamentos?”
O desabafo de um dos grupos de estudo durante o seminário ajudou todos os participantes a encarar com mais coragem e espírito crítico a relação com a Vale, que não pode limitar-se a benfeitorias temporarias.
Os atropelamentos são mais um caso grave e delicado da história dessas comunidades: só nos arredores de uma das quatro estações do trem no Município (Mineirinho), o povo relata que nesses anos houve 13 mortes por atropelamento.
A primeira das vítimas era surda: para ela não valia o lema da Vale “Pare, olhe e escute”. Outras morreram porque, carregando sacos nos ombros, não deu para perceber a chegada do trem. Nenhuma das famílias das vítimas foi adequadamente indenizada (a não ser com o caixão; confirma-se o ditado do povo de outros povoados: “A Vale mata e ajuda a sepultar”). No dizer do povo, depois de um desses atropelamentos a população, revoltada, ocupou os trilhos em sinal de protesto. Resultado: além de agüentar mais uma morte, o povo foi denunciado e está agora respondendo a processo criminal.
A pesquisa “Vida nos trilhos”, coordenada pela Profa. de Sociologia Dra. Helciane Araújo, trabalhou no Município de Alto Alegre por 4 meses e realizou 380 entrevistas em vários povoados, retratando cientificamente a situação social das famílias e a relação do povo com a Vale. Justiça nos Trilhos oferece a todos os leitores os resultados dessa pesquisa, aqui.
Pela pesquisa, há uma relação vital dos povoados com o rio Pindaré, que garante às famílias o alimento, o lazer, o transporte, a vida. Durante o seminário, vários participantes lamentaram a progressiva degeneração do rio na região e, mais uma vez, referiram esse fenômeno à responsabilidade da Vale.
Ao dizer dos moradores, as obras de construção da ferrovia (e atualmente de duplicação dos trilhos) cortaram beiras de colinas e movimentaram muito barro, que foi colocado nas proximidades do rio e que, pelas intensas chuvas da região, acabou invadindo seu leito e prejudicando o defluir das águas.
Mais uma situação a ser estudada no detalhe e que poderia levar a uma ação civil pública em defesa do patrimônio natural da região. Também é preciso estudar as compensações ambientais vinculadas à construção e duplicação dos trilhos: será que a Vale está cumprindo com seu dever?
Como em todos os povoados, Justiça nos Trilhos lança a provocação e oferece sua assessoria. Cabe à organização e teimosia local escolher as situações de maior conflito e articular uma reação popular: a campanha dispõe-se a oferecer todos os meios legais e a visibilidade política para que a luta de cada povoado não fique isolada e consiga alcançar seus resultados.
Mãos à obra!
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