Religiosa radicada no Brasil há 40 anos e naturalizada brasileira, a irmã Dorothy Stang foi assassinada por pistoleiros no Pará, em 2005. O documentário recorda sua vida, atuação em favor de projetos ecológicos e a favor de pequenos agricultores e os bastidores dos julgamentos de seus matadores.
Fora a nova prisão de Bida – que há quase um ano conseguira anular sua condenação a 30 anos de reclusão, sentença agora revertida, espera-se que definitivamente - , há pouco o que comemorar e o documentário assinado pelo norte-americano Daniel Junge é uma eloquente e dolorosa prova disso. Resultado de um trabalho de três anos, o filme recupera a trajetória da freira Dorothy Mae Stang, nascida em Ohio, naturalizada brasileira, que dedicou as quatro décadas em que viveu no Brasil – desde 1967 – à luta pelos direitos de pequenos agricultores e sem-terra. Apoiava especialmente o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), ajudando com outros religiosos da companhia Notre-Dame o assentamento de famílias em terras destinadas pelo governo federal. Nelas, concilia-se uma utilização parcial e controlada da floresta com a agricultura familiar, que não pode ocupar mais do que 20% do terreno, segundo o projeto.
A atuação da irmã Dorothy nos arredores do município de Anapu (PA) – cidade cuja câmara municipal a considerava “persona non grata” -, custou-lhe a vida, em fevereiro de 2005, quando os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Batista foram ao seu encontro, descarregando sete tiros à queima-roupa, um deles na cabeça da religiosa, de 73 anos. Como de hábito, ela carregava uma Bíblia em sua mochila e chegara a recitar aos seus matadores alguns versículos do evangelho de São Mateus. Em vão. Segundo o processo, os pistoleiros teriam sido contratados por Amair Feijoli da Cunha, o Tato, a mando de Bida e, suspeita-se, também de Regivaldo Freire Galvão, que ainda não foi julgado pelos tribunais paraenses.
O foco da discórdia com a irmã foi o lote 55, uma área de floresta virgem compreendendo 3.000 hectares que já estariam destinados ao PDS mas teriam sido grilados e vendidos por Galvão a Bida. Depois do crime, o governo federal garantiu a posse do lote pelo PDS. Um preço de sangue alto demais, pago pela religiosa, e infelizmente não só por ela. O documentário recorda que, em 30 anos, houve 750 mortes por conflitos de terra na região, sendo que apenas sete suspeitos foram julgados. Quando o filme foi concluído, em 2008, nenhum destes sete estava na prisão.
Fora a impunidade, o documentário é altamente revelador dos bastidores do funcionamento da justiça no Brasil. Falam por si mesmas imagens da concessão de um habeas corpus para Regivaldo Freire Galvão no Supremo Tribunal Federal e as sucessivas chicanas jurídicas nos julgamentos dos implicados na morte de Dorothy no Pará, onde o empenhado procurador Felício Pontes parece, infelizmente, uma voz quase solitária.
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