Companhias mineradoras e governo federal aproveitam a onda da crise e propõem mudança legislativa com nova interpretação da Constituição (art. 176), para que bens alheios (do povo brasileiro!) possam servir de garantia para empréstimos bancários...
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Crise faz mineração cortar investimento em US$ 10 bilhões
Fonte: Valor Online
14/04/2009
Daniel Rittne
O agravamento da crise internacional, com redução da demanda e queda dos valores das commodities metálicas, suspendeu investimentos de US$ 10 bilhões da indústria de mineração no Brasil. Projetos que envolvem a exploração e produção de minério de ferro, alumina, zinco e níquel estão entre os mais afetados.
Ao planejar expansões ou novos projetos para os cinco anos seguintes, em julho de 2008, as empresas do setor indicavam a intenção de investir US$ 57 bilhões. Mas a quebra do Lehman Brothers e a chegada da crise econômica ao país, dois meses depois, mudou esse cenário. Para o período 2009-2013, elas diminuíram a expectativa de investimentos para US$ 47 bilhões, segundo levantamento recém-concluído pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Além de suspensões em caráter indefinido, o Ibram detectou que a carteira de investimentos concluídos recentemente não foi reposta por novos projetos. O instituto aponta também que a crise aumentou o prazo de maturação de uma série de projetos. Por exemplo, uma ampliação ou nova unidade prevista para 2009 que tenha sido adiada por até quatro anos. No entanto, como esses projetos se mantêm dentro do cronograma até 2013, não saíram do mapa de investimentos no quinquênio.
Proporcionalmente, o maior baque nos investimentos atingiu o segmento de alumina, para o qual os projetos caíram de US$ 2,6 bilhões para US$ 1,5 bilhão - queda de 42% entre as duas pesquisas. Em valores absolutos, no entanto, nenhum tombo nas projeções de investimentos é maior do que o do minério de ferro. De US$ 37,3 bilhões em projetos que estavam previstos em julho do ano passado, sobrevivem US$ 31,5 bilhões.
Segundo levantamento do Valor, foi suspenso o projeto de ferro da Rio Tinto, em Corumbá (MS) e adiados para além de 2012 o de níquel Vermelho, da Vale, no Pará, um de zinco (em estudos) da Votorantim Metais, a duplicação da unidade de fosfato da Anglo American, em Goiás, e projetos da Holcim e da AngloGold, entre outros.
O presidente do Ibram, Paulo Camillo Pena, nota que o setor foi atingido não só pela contração da demanda mundial por minérios, mas também pela queda dos preços. Nos últimos 12 meses, o valor do chumbo diminuiu 55%, o cobre teve recuo de 52% e o zinco, 43%. O alívio é que as commodities já parecem ter chegado ao fundo do poço e esboçam uma recuperação. No primeiro trimestre do ano, os mesmos metais acumulam alta de 40%, 38% e 15%, respectivamente.
Considerando a combinação de preços e de produção, avalia Camillo Penna, "podemos dizer que paramos de piorar, mas temos insegurança em afirmar que retomamos a rota de crescimento". A produção de minério de ferro, em torno de de 28 milhões de toneladas por mês até o início da crise, baixou para menos da metade disso em dezembro. Mas voltou a crescer e alcançou 22,1 milhões de toneladas em março.
O setor ainda vive cheio de aflições. Da China, que absorve 34% das exportações brasileiras de minério de ferro, espera-se crescimento neste ano, mas o país pode endurecer as negociações de preço com a Vale. O Japão, destino de 13% das exportações, voltou à recessão. E no Brasil, metade da capacidade instalada das siderúrgicas nacionais, que compram 20% da oferta total do produto, está sem uso, apesar da redução do IPI e das boas vendas de automóveis.
Diante do cenário adverso, Camillo Penna pede ao governo medidas para impulsionar o setor. Entre as ações, ele sugere a abertura de linhas de crédito do BNDES específicas para a mineração e a criação de fundos para financiar levantamentos geológicos, que identificam áreas com grande potencial de exploração, à semelhança do implementado recentemente pelo governo de Goiás.
Camillo Pena também defende o congelamento da taxa anual, cobrada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), por hectare de terra explorado pelas mineradoras, e a isenção da taxa enquanto o licenciamento ambiental para os projetos estiver em tramitação.
O executivo sugere ainda a liberação, com urgência, do uso do direito minerário (título de permissão para exploração das jazidas) como garantia para a obtenção de financiamento. A falta de garantias não costuma ser problema para as multinacionais quando elas precisam de crédito para investir, mas frequentemente barra o acesso de pequenas e médias mineradoras a empréstimos bancários. A ideia de reformar o Código de Mineração (de 1967) para introduzir essa mudança está em discussão desde o ano passado, mas não saiu do papel. "A nossa proposta é que isso seja feito por medida provisória. Está mais do que na hora." Protesta contra a carga tributária. Segundo estudo da consultoria Ernst&Young para o Ibram, de 12 minérios pesquisados, o Brasil - entre 21 países - tem a maior tributação sobre oito deles.
Ele insiste no reforço de orçamento e de pessoal do Serviço Geológico do Brasil para suprir o fechamento das "junior companies" que se encarregavam de boa parte das pesquisas para identificação de novas jazidas. "Cerca de 60% dos recursos são feitos por elas e vamos ver uma desaceleração significativa". Essas companhias se financiavam em bolsa de valores e muitas diminuíram de tamanho ou até fecharam com a crise. Na região do Tapajós (PA), por exemplo, sobrevivem apenas cinco de 25.
Projeto no MME poderá permitir uso de direito sobre jazida em financiamentos
O Ministério de Minas e Energia está dando os retoques finais em um projeto de lei que possibilitará às mineradoras brasileiras usar os direitos de exploração das jazidas como garantia para a obtenção de financiamento bancário. Essa deve ser a principal medida anticrise para o setor. Linhas de crédito específicas do BNDES não estão sendo cogitadas - pelo menos por enquanto.
O uso do direito minerário como garantia para empréstimos bancários é uma reivindicação histórica da indústria, mas esbarra juridicamente no artigo 176 da Constituição, segundo o qual as jazidas pertencem à União e os minérios só passam às mãos do concessionário depois da extração. Sem a necessidade de emenda constitucional, o governo pretende esclarecer, por meio de um projeto de lei, nas palavras do secretário de Geologia e Mineração do ministério, Cláudio Scliar, que "a jazida não é do concessionário; o direito de aproveitá-la é".
Se grandes empresas têm ativos suficientes para negociar tranquilamente com os bancos, isso deve facilitar a tomada de financiamento por parte de pequenas e médias mineradoras. O secretário havia prometido a conclusão do projeto para o fim do ano passado e atribuiu o atraso às negociações com os bancos.
"O texto já esteve quase pronto em vários momentos, mas o setor bancário sempre colocava dúvidas", diz Scliar. De acordo com ele, agora depende de apenas mais uma rodada de discussões com o BNDES e terá sua versão final apresentada ainda no primeiro semestre. Para minimizar os riscos da instituição financeira ao fazer o empréstimo, ela terá acesso direto a informações sobre a jazida cuja exploração estiver sendo financiada. Hoje, esses dados, guardados e monitorados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DPNM), são acessados só pelo próprio concessionário. Uma ideia proposta pelo setor privado é que as empresas possam negociar com os bancos munidas do Plano de Aproveitamento Econômico da jazida, aprovado pela autarquia.
Scliar ressalta que o orçamento disponível para levantamentos geológicos subiu de um patamar de R$ 20 milhões anuais, no início do governo Lula, até atingir R$ 102 milhões em 2009. Como esses recursos (destinados ao Serviço Geológico do Brasil, antigo CPRM) estão no PAC, ficam livres de contingenciamento. "Pela primeira vez na história do Brasil um governo considera a geologia como parte da infraestrutura", sublinha o secretário. (DR)
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